sábado, 31 de março de 2012

Arte E Inovação

"(...)Também penso que a arte não serve para nada. Pelo menos, se pensamos em coisas úteis ou práticas. A sua função não se coloca ao nível funcional, mas cognitivo. A arte serve para explorar a imaginação e a inteligência para além daquilo que é tido como razoável. Serve para fazer as experiências loucas e as combinações impossíveis.


Ora, esse processo é fundamental quando se pensa na tão propalada inovação. O próprio conceito é claro. Inovar é fazer algo que nunca se fez. O que implica muita ousadia não só ao nível do pensamento como no terreno da experimentação. Cada inovação é resultado de milhares de fracassos. Mas são estes que informam os mecanismos de geração do novo. Ou seja, são os erros e os fracassos que criam o campo a partir do qual a inovação pode emergir.


Daí que, por todo o mundo, mesmo as escolas de ciências e engenharias se vão abrindo ao contacto com as práticas artísticas, de modo a entenderem e aproveitarem os seus mecanismos de criatividade, fundamentalmente experimentais, sem objetivo claro e, em suma, inúteis.


Vem isto a propósito das recentes mudanças promovidas por Nuno Crato no nosso ensino secundário. Choca-me em particular que se termine com as aulas de Educação Visual e Tecnológica, já que estas apontavam precisamente para a tão necessária aproximação entre artes e tecnologias. O regresso à velha separação das duas culturas terá como resultado que aqueles que seguirem a via tecnológica não terão conhecimentos no campo do artístico e, por isso, terão menos capacidade de inovação, enquanto os que seguirem para as artes estarão limitados a reproduzir velhas e conservadoras formas de realização da arte alheias do mundo em que vivemos. Quando por toda a parte se promove o encontro, por cá decreta-se o afastamento. É um erro que as gerações futuras pagarão caro.


Tanto mais que, perante a avalanche asiática, à Europa pouco mais resta, como vantagem competitiva, do que a sua cultura de liberdade e rebeldia, assente numa mistura de saberes e práticas que provaram ser o motor de uma constante capacidade de inovação. Apesar da impressionante e muito qualificada produção de cérebros, na Índia e na China, os níveis de inovação ainda são bastante baixos quando comparados com a Europa e os Estados Unidos. E isso deve-se exatamente à qualidade de um ensino que, mais do que produzir reprodutores, promove a singularidade dos criadores.


É por isso lamentável que em Portugal o preconceito ideológico e a visão conservadora de uma escola "à antiga", com as suas disciplinas nucleares (conceito obsoleto), um claro retrocesso ao aluno papagaio e essa reacionária separação entre bons e maus alunos, atirem o nosso ensino e os seus alunos para uma crescente irrelevância. Limitando, desse modo, e muito a sua capacidade de serem fazedores no mundo que aí vem.» [Jornal de Negócios]

Autor:


Leonel Moura.

Arte E Inovação

"(...)Também penso que a arte não serve para nada. Pelo menos, se pensamos em coisas úteis ou práticas. A sua função não se coloca ao nível funcional, mas cognitivo. A arte serve para explorar a imaginação e a inteligência para além daquilo que é tido como razoável. Serve para fazer as experiências loucas e as combinações impossíveis.


Ora, esse processo é fundamental quando se pensa na tão propalada inovação. O próprio conceito é claro. Inovar é fazer algo que nunca se fez. O que implica muita ousadia não só ao nível do pensamento como no terreno da experimentação. Cada inovação é resultado de milhares de fracassos. Mas são estes que informam os mecanismos de geração do novo. Ou seja, são os erros e os fracassos que criam o campo a partir do qual a inovação pode emergir.


Daí que, por todo o mundo, mesmo as escolas de ciências e engenharias se vão abrindo ao contacto com as práticas artísticas, de modo a entenderem e aproveitarem os seus mecanismos de criatividade, fundamentalmente experimentais, sem objetivo claro e, em suma, inúteis.


Vem isto a propósito das recentes mudanças promovidas por Nuno Crato no nosso ensino secundário. Choca-me em particular que se termine com as aulas de Educação Visual e Tecnológica, já que estas apontavam precisamente para a tão necessária aproximação entre artes e tecnologias. O regresso à velha separação das duas culturas terá como resultado que aqueles que seguirem a via tecnológica não terão conhecimentos no campo do artístico e, por isso, terão menos capacidade de inovação, enquanto os que seguirem para as artes estarão limitados a reproduzir velhas e conservadoras formas de realização da arte alheias do mundo em que vivemos. Quando por toda a parte se promove o encontro, por cá decreta-se o afastamento. É um erro que as gerações futuras pagarão caro.


Tanto mais que, perante a avalanche asiática, à Europa pouco mais resta, como vantagem competitiva, do que a sua cultura de liberdade e rebeldia, assente numa mistura de saberes e práticas que provaram ser o motor de uma constante capacidade de inovação. Apesar da impressionante e muito qualificada produção de cérebros, na Índia e na China, os níveis de inovação ainda são bastante baixos quando comparados com a Europa e os Estados Unidos. E isso deve-se exatamente à qualidade de um ensino que, mais do que produzir reprodutores, promove a singularidade dos criadores.


É por isso lamentável que em Portugal o preconceito ideológico e a visão conservadora de uma escola "à antiga", com as suas disciplinas nucleares (conceito obsoleto), um claro retrocesso ao aluno papagaio e essa reacionária separação entre bons e maus alunos, atirem o nosso ensino e os seus alunos para uma crescente irrelevância. Limitando, desse modo, e muito a sua capacidade de serem fazedores no mundo que aí vem.» [Jornal de Negócios]

Autor:


Leonel Moura.