sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Recuar No Tempo, Aproximar Da Verdade

Ai o tempo, Lima, ai o tempo!...
Apenas te recordo no rosto de um rapazinho de treze anos. Não só "vejo" ainda os traços de um rosto a entrar na puberdade, como "ouço" claramente o timbre da tua voz e paro para te observar sentado num muro velho, da velhinha Falperra, ou sentado no chão, recostado a uma árvore mergulhado na leitura de um livro de aventuras. Talvez de Júlio Verne, porque existia na biblioteca do seminário a colecção completa ou quase. Livros da minha alegria.
Cresceste para adulto, pai e avô e não me admirava nada que, depois de mais de cinquenta anos, nos tivéssemos cruzado em Ponte de Lima, Viana do Castelo ou Barcelos, sem nos reconhecermos. Tu, em férias vindo de França onde resides, eu a partir da pequenina aldeia de Balugães, bem próxima destes centros de turismo.
Imagino que tenhas visitado uma ou outra vez a famosa feira de Barcelos e que a gente se tenha cruzado no meio do turbilhão de carros e gente. E não te reconheci numa figura que deixara de me ser “familiar”. Terás sido um estranho como qualquer outro. Uma simples forma de gente ambulante. Uma identidade, seguramente, porque todos temos uma, no papel ou sem papel.
O que falhou para que não acontecesse o nosso reencontro, na feira de Barcelos, não tem a ver com a tua incontestável identidade, mas com a fragilidade daquele que te observa, neste caso, eu. Fragilidade ou “superficialidade”ou simplesmente falta de “diálogo”.
Bastava que tropeçasse em ti, te pisasse os calos do pé direito (!?) e tu reagisses. Algum de nós poderia “olhar” mais atentamente, ver traços do rosto ou da figura toda que o tempo não conseguira esbater completamente, e entabular uma conversa que nos aproximasse da Falperra de cinquenta anos atrás. E fazia-se luz.
A história do conhecimento segue um percurso semelhante. Se queremos descobrir uma identidade temos de fazer um esforço de memória e entendimento. E mesmo assim, a identidade das coisas é tão profunda e misteriosa que, depois de séculos a perguntar, dissecar, equacionar e, a partir de uns tempos a esta parte, também a reproduzi-la, ainda estamos naquela de «um boi a olhar para um palácio».
Do meu ponto de vista fica claro que o Lima passeava-se sempre na feira de Barcelos, independentemente de eu o encontrar ou não, de eu o reconhecer ou não. Porque a realidade está sempre um passo à nossa frente. E é por isso que a podemos observar. Mas uma simples observação não chega para obter a “identidade”. Teremos que avançar até ao ADN do Universo…para uma identificação completa do que somos e até onde poderemos chegar.
Convenhamos que é uma tarefa mais ao alcance dos Deuses que dos Homens. Há dois mil e quinhentos anos já os gregos tinham percebido isso… E Buda também, só que este achou que o melhor era desaparecer!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um designio para o nosso universo?

Vou pegar num dos temas mais controversos da actualidade e que opõe os filósofos ditos ateus aos filósofos teístas e teólogos. É a questão de saber se há ou não um desígnio para o universo que somos.
Será que por este caminho conseguirei dar alguma consistência às formas-modelos voláteis e irrequietas da Realidade do Luis? Não sei, mas uma coisa é certa: vou ter de lhe partir a cabeça por uma segunda vez desde que viemos para este sitio conversar…
“Tudo é composto de mudança”, como diz o poeta, mas em progressão criativa, digo eu. Neste sentido, aquilo que nós percebemos como mudança ou movimento é, fundamentalmente, uma realidade nova. Isto equivale a dizer que as coisas não mudam para ficar tudo como dantes, num bailado incessante , repetitivo e sem sentido. Porém, fique claro que o “sentido” da mudança está na nova realidade criada e não numa qualquer pre-determinação ou desígnio…mas só até que surja um observador interveniente. Penso eu.
Quando a força do vento derruba um vaso da varanda e cai, por acaso, em cima da cabeça do Luis que ia, também por acaso, a passar naquele preciso instante, não existe aqui qualquer desígnio, apesar de haver um nexo inquestionável entre causa e efeito e uma cabeça partida por cauda evidente.
Tudo se altera se for o malandro do Lima a atirar o vaso à cabeça do Luis. O nexo causal é precisamente o mesmo, mas agora há um tenebroso desígnio por detrás…
Esta pequena paródia coloca-nos , de certo modo, perante aquilo que os físicos designam pelos principios copernicano e antrópico. Claro que o vento que derruba o vaso sem qualquer desígnio pode sempre ser transformado no Deus Eólo, mas todos sabemos que tem tanto de verdade como o Pai Natal a descer pela chaminé e colocar as prendas no sapatinho.
Por outro lado, o tenebroso desígnio do Lima, tão real e eficaz como o Deus Eólo, quero dizer, o vento, é uma urdidura bem montada pelo Lima, que calculou a distancia e imprimeiu a força necessária ao gesto para realizar o intento. Esquema. Modelo. Forma. Ideia. Tudo nascido daquela cabecinha malandra.
O que não podemos fazer, em tempo algum, é esquecer a dupla face da realidade que contem nas suas entranhas tanto o desígnio (do Lima)como o não desígnio (do vento). A não ser que o Lima e a sua cabecinha pensadora tenta tanta consistência como o Pai Natal da chaminé!
Esta aparente ou real contradição do senhor “Real”foi percebida pelo Luis budista, o que faz prova da sua inteligência e de que não anda neste mundo por ver andar os outros. Apesar disso, não me dispenso de lhe partir a cabeça, porque fico sempre com a impressão que ficou parado a contemplar a sua fantástica descoberta. Não me admiraria nada que o Luis budista ao ver o Lima a apontar o vaso à sua cabeça, acompanhando o gesto com insultos à sua honrada mãe, lhe dissesse calmamente como o outro: então não sabes que está aqui um homem que não se importa que lhe partas a cabeça?
Assim também eu, Luis! Depois da anestesia da iluminação, aquilo não dói nada…
(E o Lima esfalfou-se em vã glória de exibição de poder).
Já perceberam a conclusão de que o “fundo das coisas”, bem real e bem duro, que eu disse que apalpava, é um paradoxo dos diabos. Ser ou não ser. Com desígnio, sem desígnio. Tudo à molhada!
Ajudem um bocadinho a descalçar esta bota. Seja lá o caminho que tomarem, nunca se vão livrar da contradição.
E cá para nós: que piada tem um jogo depois de chegar ao fim?