sábado, 25 de fevereiro de 2012

R. Dawkins versus Antony Flew

O amigo Lima, companheiro na Laje Negra, fez-me chegar um texto assinado por Henrique Raposo, onde põe em confronto aqueles dois epigrafados. Dawkins é um ateu de "pedra e cal" e Flew o ateu convertido a Deus. O primeiro nega Deus a partir da ciência e o segundo afirma Deus a partir da ciência. O H Raposo zurziu ambos impiedosamente, com os argumentos mais gastos que as solas dos sapatos de um peregrino que vai a Fátima a pé. Tenho presente, a esse respeito, a afirmação contundente de André Comte Sponville: "tanto aquele que diz "Deus não existe" como aquele que diz "Deus existe" é um imbecil que toma a fé por um saber".
A generalidade de filósofos e teólogos concorda que Deus não é objecto de saber mas de fé.
Porém eu penso que o problema está mais a jusante, pois trata-se em primeiro lugar de saber se, de facto, Deus pode ser um "objecto" para a fé, não o sendo "à priori" para a ciência. O H Raposo, quanto a isso é taxativo: "Deus e a fé não são temas para o bico da ciência".
E eu pergunto ao H Raposo, quem é que avaliza a verdade de tal afirmação e com que fundamento? Na verdade, se deixarmos, seja o que for, de fora do escrutínio da inteligência e da razão humana, só podemos estar a regredir no processo cognitivo, estacionando no sentimento e nas emoções, onde se inicia todo o processo humano do conhecimento. A fé será, então, circunscrita à emoção e ao sentimento, nunca atingindo a nobreza do acto humano por excelência, que é o pensamento consciente.
Isto quer dizer também, que os "raposos" da intelectualidade fazem tábua rasa dos mais recentes avanços da neuroiência na investigação sobre a génese do conhecimento humano.
Tentar subtrair a objectivação de Deus ao escrutínio da razão é admitir, subrepticiamente, que há uma "fonte oculta" no ser humano, de onde jorra a fé em Deus. Nunca o confessando, professam o dualismo cartesiano no ser humano.

Tudo isto podia não passar de uma discussão académica, pouco se distinguindo da discussão acerca do sexo dos anjos. Podia, mas não pode, porque as consequências práticas da fé em Deus, muito mais do que a negação de Deus, podem ser devastadoras, se deixarmos fora do escrutínio da razão um assunto tão sério como este acerca de Deus e da fé. Deixar Deus e a fé para "bico" da emoção e do sentimento é deixá-los entregues à irracionalidade. A história das religiões é elucidativa.

Foi neste sentido que eu comentei com o Lima, por e-mail, realçando que a fé em Deus determina uma ética que acabará sempre por ser imposta como tendo por fundamento o divino e a fé e, como tal, incontestável. Será também ela uma ética não escrutinável pela razão, baseada, em última análise, no sentimento e na emoção:
"Se ele, o Raposo, quisesse ser coerente ou simplesmente manifestar o seu pensamento, sem medo de ofender a "tradição", acabaria por deixar expressa a afirmação de um universo demasiado vasto e profundo para o génio humano e que, por isso, continuamos a chamar-lhe mistério ou enigma, apesar dos impensáveis avanços das ciências.
Isto não é nem teísmo, nem ateísmo nem agnosticismo: é, tão somente, lucidez.
As consequências de uma tal atitude mental seriam devastadoras para quem defende a "sua ética", como a ética fundamental. A honestidade intelectual perante o enigma que nos envolve recusa a "verdadeira ética", relativizando o que a "fé" considera como valor absoluto.

Num tal cenário, o único referencial absoluto para a ética humana é o próprio enigma do universo e o que dele vamos descobrindo e compreendendo. Quem acha isto "muito curto" é porque ainda não levantou os olhos do chão e se pôs a contar o número de galáxias.