sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Filosofia Está Morta

"A filosofia está morta, porque não conseguiu acompanhar o desenvolvimento da ciência moderna, em particular da física”.
Esta afirmação de Stephen Hawking é desmentida pelo trabalho que o próprio desenvolve, para responder às mesmas perguntas que a filosofia coloca: quem somos, donde viemos e para onde caminhamos. Considerando que somos parte integrante do universo.
Fico sem saber a que género de filosofia se refere.
Não quero acreditar que Hawking procure o conhecimento pelo conhecimento, porque seria imaginar um canteiro a trabalhar um pedaço de granito sem nunca se interrogar e preocupar porque o fazia.
A nossa mente consciente fez-nos irremediável e literalmente filósofos (alguém que procura a verdade ou "sofia"), de modo que anunciar a morte da filosofia é a mesma coisa que anunciar a morte daquilo que nos tornou humanos.
A ciência experimenta e faz medições e utiliza magistralmente a lógica e a matemática para obter conhecimentos e sem pôr limite ao que deseja conhecer. A filosofia nasce, precisamente, quando não se admitem limites para a nossa "busca".
Pode-se começar na matemática, mas depois não paramos. Tomemos como exemplo esta verdade matemática: o todo é igual à soma das partes. Irrefutável. Porém, ninguém afirmará que a catedral é igual à soma dos materiais com que foi construída. Há uma realidade nova e inesperada que resultou da aplicação da matemática, a magnifica estrutura da catedral.
A realidade apresenta-se-nos sob a forma de estruturas e não decomposta nos seus elementos basilares, que ainda desconhecemos quais são. Por isso continuamos a esmagar átomos e a interrogar-nos sobre a origem do universo. E, num registo antropológico, a perguntarmo-nos como chegamos a este estado de consciência. Perguntamos e agimos para obter respostas. Sucintamente poderíamos dizer que a filosofia nasce do “espanto” que provoca a pergunta e a ciência é o meio necessário para chegar à verdade. E por ser pouco mais que “pergunta “ e “espanto”, vamos dizer que a filosofia não “serve” para nada? Vejamos.
Voltando a Peter Atkins e à sua obra O Dedo de Galileu, pude constatar que ele tem o mesmo "desprezo" pelos filósofos ( especuladores, como ele gosta de dizer) que Hawking. Afirma que a sua actividade é ociosa, "especulação de poltrona", enquanto que os cientistas "preferem decompor a extraordinária complexidade do mundo, examiná-la peça a peça e reconstrui-la novamente da melhor forma possivel, já com um entendimento mais profundo".
Mas Peter Arkins está a focar apenas uma parte da actividade humana. Repare-se que uma catedral não é a reconstrução de uma estrutura complexa ou simples do mundo.
É uma criação do homem e, enquanto tal, não é nem "reconstrução do mundo" nem soma das partes de um todo. A esta "criação" o filósofo designa por realidade metafísica. Especificamente, no caso da catedral, é arte. E é uma metafísica que não tem nada de transcendente, muito menos de sobrenatural. É toda nossa e para nós, adquirindo sentido para quem a produz e sabe entender. Como um código e muito mais.
A vida humana, em si mesma, é neutra, assim como são neutras todas as coisas. E é desta neutralidade real que nós podemos fazer, e já estamos a fazer, uma obra de arte.
Convem não inchar demasiado porque as abelhinhas ou as aranhas são artistas de primeira e também se comunicam por códigos. Só não tropeçaram, como diria Damásio, na mente consciente e a sua arte permanece "sem sentido" para elas mesmas. As abelhinhas não superam os automatismos biológicos e repetem "ad infinitum" uma "arte" que não "entendem" nem evolui. Isso fica a dever-se, segundo Damásio, à ausência de um cérebro capaz de uma mente como a nossa.
Somos levados a considerar que a criação artística, a ciência, a filosofia ou a teologia, são o momento em que o homem transcende os automatismos que o produziram e supera o determinismo.
Sem esquecer a sua história...determinada até ao absurdo. Não sou capaz de contornar o paradoxo. Nem luto contra ele. Aceito-o, consciente de que, provavelmente, vão subsistir, depois de nós, os dois problemas que restam à ciência para resolver: a origem do universo e a consciência humana.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

The Grand Design de Stephen Hawking

O conhecido e controverso livro do astrofísico inglês vai ter, a partir de hoje, mais uma edição, agora em língua francesa. Editado primeiro nos Estados Unidos, depois, em Setembro último em Inglaterra, é agora a vez da França lhe dar honras, editando a sua obra com o título: “Y a-t-il un grand architect dans l'univers ?”, da editora “Odile Jacob”.
Em preâmbulo ao acontecimento, o conceituado semanário “Le Figaro Magazine”, publica um vasto dossier de oito páginas, onde vários autores, com autoridade nos meios científicos e religiosos franceses, afirmam a sua adesão, duvidas, ou contestação frontal às ideias base expressas pelo autor. O conjunto dos textos apresentados, põe em evidência as principais correntes de ideias que, actualmente coexistem nos meios científicos e religiosos.

Primeiro, os adeptos incondicionais das teorias de Hawking. Esta ala avançada da ciência moderna, abraça por inteiro a primeira ideia base da obra do astrofísico: “O universo não precisa de Deus para existir”. E o autor, talvez precisamente em atenção aos seus mais próximos seguidores, lança a pergunta, em jeito de desafio: “Qual a evolução do universo ?”. “Por que é que o universo existe ?”. E acrescenta: os cientistas devem dar uma resposta. E, para Hawking, é claro que a resposta não deve incluir agentes externos, sejam eles deístas ou filosóficos. Aliás, logo no segundo parágrafo do seu livro, ele adverte: “A filosofia está morta, porque não conseguiu acompanhar o desenvolvimento da ciência moderna, em particular da física”.

Em posição frontal a esta corrente, como bem demonstram vários artigos do dossier “Figaro Magazine”, encontra-se o poderoso flanco cientifico-religioso, onde os chamados movimentos criacionistas ocupam a frente de ataque às teorias “meramente hipotéticas” da auto-criaçao do universo. O movimento tem por assento fortes personalidades, como Arcebispos Anglicanos, Grandes Rabinos, Bispos católicos, Imames, e mesmo ateus de comportamento exemplar. E a primeira arma de arremesso utilizada, parte de uma pergunta relativa ao universo, não da autoria de Hawking, mas à qual ele tenta responder na sua obra, e que o filosofo e matemático G. W. Leibniz lançou há vários séculos: “Por que existe alguma coisa, em vez do nada ?”. A resposta de ataque é que: “A física sozinha, não é capaz de responder a esta pergunta”. E a carga continua sobre a fragilidade das teorias cientificas, apontando o facto de o próprio Hawking se contradizer agora, a respeito de certas hipóteses expressas no seu anterior livro:”Uma breve história do tempo”.

Entre estas duas colunas de seguidores e detractores, existe um certo numero de “amadores de teorias”, que concordam sem concordar e discordam sem discordar. Para estes, nem a ciência é “diabólica”, nem a crença em Deus é dogmática. Defendem que uma coexistência é possível entre a ciência e a religião. E argumentam: “Deus não é refutável pela ciência. Pois para demonstrar que Deus existe era preciso conhecê-lo. Como O podemos conhecer se não existe ?”. Outros confessam: “Não temos prova nenhuma da existência de Deus, mas também não temos prova da sua não existência. É vão procurar uma prova. A crença não é racional”.

O livro de Hawking tenta sugerir respostas para as descobertas cientificas recentes e os consequentes avanços teóricos. As previsões das teorias quânticas revelaram-se notavelmente exactas nas escalas atómica ou subatómica, deixando paralelamente espaço para as antigas teorias clássicas que repousam sobre concepções radicalmente diferentes da realidade física.

Resumindo: mais uma pedra no lago já agitado das ideias vanguardistas da actual cosmologia e astrofísica, que risca de provocar ondas incontroláveis, capazes de atingir outros espaços periféricos, em domínios ancestrais até hoje invioláveis.

No entanto, não esqueçamos: em ciência nada é definitivo.