sexta-feira, 30 de julho de 2010

Platão e Platonismo

Caro Augusto
Não tenho a mínima vontade de esmiuçar a filosofia de Platão. Também não briguei propriamente com Platão mas com o «platonismo». Platão expôs o seu pensamento sob forma de mitos e alegorias, como se estivesse a dizer-nos que uma pequena história vale por uma multidão de discursos.
Na sua famosa «Republica», conta o mito do destino. Neste mito a personagem Er morre numa batalha e ressuscita ao fim de 12 dias. Pode contar aos homens a sorte que os espera depois da morte. Cada um voltará à vida para recomeçar e poderá aproveitar a experiência da vida anterior e optar por uma vida mais virtuosa e sábia. Nenhum demónio ou divindade vai escolher por si. É livre, ao recomeçar, em nova encarnação.
O fatalismo da morte acaba, quando o homem tem a possibilidade de reencarnações sucessivas, escolhendo criteriosamente a forma de viver a nova vida depois de toda a experiência e conhecimento acumulado em vidas anteriores.

Como este, Platão inventou mitos carregados de lições para vida. Estes mitos foram interpretados como expressão do seu pensamento, o que está certo, mas também foram considerados como narrativas factuais. O que está errado! Por exemplo, como se ER, no mito do destino, tivesse travado uma batalha concreta e tivesse sido morto e ressuscitado doze dias depois para contar como era, de facto, o nosso destino.

Extrapolou-se do mito para a realidade e passou a acreditar-se que a cada morte segue-se uma ressurreição. Platão quis dizer isso?
Responda à pergunta o caro Augusto, porque eu, seguramente, não pertenço ao grupo dos «raríssimos» que entenderam bem Platão…
Por mim diria que Platão era inteligente demais para confundir mito com realidade e ele saberia por experiência própria e introspecção profunda que nunca antes vivera uma outra vida. Tão pouco dera conta que o seu adorado mestre Sócrates ressuscitara depois de beber a cicuta fatal. E como ele desejaria beber-lhe, mais uma vez, as sábias lições!
O que Platão conhecia era aquela verdade incontornável proclamada por outro grande filósofo grego Heraclito: «nenhum homem se banha duas vezes nas águas do mesmo rio, porque nem o rio nem o homem são os mesmos».
Platão percebeu que a nossa história é como um rio em fluxo, em perpétua mudança. De facto, amanhã não serei o mesmo e posso escolher hoje a forma como vou viver depois de acordar em cada manhã.
No mito do destino, o homem é alertado para escolher convenientemente a sua conduta e pode, assim avisado, recomeçar uma nova vida.
Quem terá «forçado o texto» e inventado uma cadeia de vidas e ressurreições anteriores de que nenhum de nós, nem Platão, tem memória?
Não me importava, nem um pouco, que fosse verdade. E já agora, era capaz de deixar para amanhã, quer dizer para uma outra vida, o que poderia fazer já nesta. Afinal, teria pela frente uma infinidade de vidas para viver…
Platão ensinou isso, caro Augusto? Responde-me, se acaso pertences ao número dos «raríssimos» que o entenderam.
30 Julho, 2010 00:36