sábado, 18 de fevereiro de 2012

Não Há Mistério, Mas há Quem O Pense

O Luís talvez corrija para "não há mistério, nem quem o pense", a lembrar Gautama: "não há caminho nem quem o percorra".
É o princípio de mais um dos meus desencontros com o "Desperto" Gautama. Mas não ganho nada com isso, porque o "sujeito irredutível" que sustenta o pensamento do enigma é tão frágil quanto o "barro" onde se revela. Sabemos que o "sujeito irredutível", o EU que pensa o mistério, só existe mesmo enquanto é o pensamento do mistério. E podemos, por isso mesmo, afirmar com Gautama que a efémera existência do "eu pensante" equivale a "não-existência"? Julgo que não, porque todo o acto é irreversível e o pensamento é acto de quem pensa. Mas aqui chegados é impossível não esbarrar com o dilema que se nos apresenta: o sujeito, absolutamente efémero, é, apesar dessa sua condição, simultâneamente efeito e causa de si mesmo. É efeito porque nasceu da consciência e do acto de pensar e é causa enquanto sujeito que se pensa a si mesmo.
Neste ponto, saltamos a barreira da lógica, onde causa se confunde com efeito e o acto com quem actua, postulando-se, em última análise, ou o acto puro ou a pura subjectividade.
Quem quiser escolha, mas lembre-se que tem apenas o tempo de uma vida breve para o fazer. Com isto quero dizer que no fim do discurso ou no fim da vida (do sujeito pensante) o enigma persiste desafiante como sempre.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A Transcendência Também Morre

Folheava ontem um livro recentemente publicado, que é uma biografia de Stephen Hawking. Num capítulo sobre a imortalidade do espírito humano aí se refere a entrevista de 2011 de S.Hawking, em que ele se mostra céptico em relação à vida depois da morte, afirmando que é uma história fantasiada da existência de um paraíso, que serve apenas para afugentar o "medo do escuro". E continua afirmando que o nosso cérebro não é mais que um computador e a mente humana o seu produto. E conclui: não há um paraíso para computadores.
A rebater esta posição de Hawking aparece W. Wenham, que sofre da mesma doença degenerativa neuromotora de Stephen. Alega W.Wenham que Hawking está mal esclarecido e mal informado. Diz que, embora não tenha provas, está aberto à teoria que defende a existência de pelo menos 11 dimensões e que homem começa outra existência quando esta for completada. Tive logo vontade de perguntar "completada quando, como e onde?". Porque, no plano individual, pode-se acabar a aventura humana ainda como embrião, mal acabado de nascer, na infância, na juventude, na idade de plena maturidade ou depois da lenta decadência de uma longa velhice...).
Adiante.
Hawking e Wenham abordam o problema a partir da física. Parece-me curto, porque ainda temos a biofísica, a bioquímica , a genética, a neurociência.
Wenham está convencido que há-de ser a física, através das suas dimensões ainda apenas teorizadas, a garantir a imortalidade da vida. Hawking deixa-o sonhar.
Correndo atrás desse mesmo sonho de uma vida para além da morte vão as filosofias do transcendente e é destas que se socorrem os crentes, apostados em defender a razoabilidade da fé, embora continuem a afirmar que a fé não é dedutivel de qualquer raciocinio. "Não há razões para crer", proclamam. Mas então porque vivem da fé?
Neste ponto vale a pena ler o que escreve o nosso já conhecido Pe Anselmo, na obra já citada.

"...Mais graves são as questões que derivam das novas ciências. Evidentemente, as investigações etológicas, bioquímicas, da genética e das neurociências constituem hoje talvez o maior desafio alguma vez lançado a uma concepção verdadeiramente humanista e espiritualista do homem, por causa da tentação de reduzir o humano a uma explicação dentro do quadro da zoologia e da bioquímica. De qualquer forma , ao ser humano reflexivo impor-se-á sempre a subjectividade própria, pois a ciência objectiva só existe para e a partir do sujeito. Por mais que objective de si, o sujeito humano deparará sempre com o inobjectivabel,já que a condição de possibilidade de objectivar é ele mesmo enquanto sujeito irredutivel. O homem enquanto sujeito transcende, portanto, continuamente a explicação das ciências objectivantes".

Pois é, meu caro Pe Anselmo, "o homem enquanto sujeito transcende (...) a explicação das ciências objectivantes", e eu concordo plenamente, mas só o faz enquanto for um sujeito "cheio de vida" e isso implica a existência de um "corpo-cérebro" sadio!
Tem de concordar, Pe Anselmo, que um homem cheio de esperança como o Wenham pelo menos propõe uma solução, com a teoria das 11 dimensões (ou mais). S.Paulo fez o mesmo, à maneira do seu tempo, propondo a fé na "Ressurreição da Carne". O Pe Anselmo e todos os espiritualistas que rejeitam tanto a prodigiosa "Ressurreição da Carne" como a salvação pela teoria da física das 11 dimensões não apresentam outra coisa que não seja uma "transcendência" que nasce com o sujeito e com ele morre. Efectivamente, será sempre um outro sujeito a objectivar a transcendência de um cadáver. Enquanto existir um sujeito para fazer o exercício.