quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nirvana Não, Amor Sim

Em vez de falar-se em «pensamento» budista será mais apropriado falar em «convicções budistas». Porque o pensamento, qualquer que ele seja, é o discurso sobre a realidade ou o que se julga ser a realidade. Para o budismo, o que chamamos realidade não é mais do que aquilo que nós pensamos acerca dela. E é neste sentido que o Luís refere num dos seus comentários ao penúltimo post, que nem «eu» próprio, enquanto fazedor de pensamentos sobre a realidade, sou, intrinsecamente, real.
A compreensão deste facto é a iluminação definitiva, é quando se atinge o Nirvana.
Traduzindo o que se pretende afirmar no budismo: eu sou nada e, quando perceber isso, é que sou realmente…alguma coisa!
Talvez um «eu» feito de iluminação pura
Decorre desta convicção que, procurar explicações para o nosso destino e para o destino do universo ou, ainda, se nós temos um destino ou o que é tudo isso e mais alguma coisa, é um inútil e desvairado propósito que só acrescenta sofrimento à nossa já sofredora humana condição.
Para escapar a esta verdadeira maldição humana do sofrimento, Buda aponta o caminho de um desapego progressivo de tudo até à extinção, em nós, do simples desejo de formular perguntas. E este desejo de conhecer parece ser o último resquício da existência de um «eu» que se quer completamente anulado.
Notemos então: a vontade de conhecer, que foi a mola impulsionadora de toda a nossa civilização «cristã ocidental» é, para o budismo, não a mãe do sofrimento, porque o sofrimento precede o pensamento, mas um cúmulo de desgraça humana.
Nada de novo, se pensarmos na belíssima alegoria do paraíso de Adão e Eva. Estes pais da humanidade, cedendo à tentação de comer o fruto da «árvore do conhecimento» arranjaram uma bela carga de trabalhos para a desgraçada prole.
O autor do paraíso perdido de Adão e Eva explica porque existe o sofrimento. O budismo entende que o sofrimento não é para ser explicado, mas anulado. O problema, na minha perspectiva, é que se despeja o bebé com a água do banho, por esta simples razão: o homem "é" intrinsecamente, e é "intrinsecamente" sofredor, se entendermos que sofrimento significa “mudança”ou “transformação”. E o nosso Universo anda em “sofrimento” pelo menos desde o Big Bang.
E o «eu» que o budismo pretende anular com o seu Nirvana sabe perfeitamente o que se está a passar. E por saber tal, transforma em deleite o que Buda chama de sofrimento, empolgando-se e, esquecido do curto tempo que dura a sua consciente aventura individual, lança-se a caminho das estrelas.
Verdadeiramente, só queremos deixar o sofrimento budista se isso servir os nossos sonhos mais profundos.
Convivemos bem com o «contentamento descontente» de Camões e o nosso rosto ilumina-se de felicidade quando encontra o olhar do nosso amor. Ia apostar que não há Nirvana que se lhe compare. Nunca me descobri tão plenamente «eu» como no dia em que comecei a ouvir uma voz divinamente meiga a sussurrar-me: meu amor. Não troco esta presença amorosa por iluminação nenhuma deste mundo e de todos os outros. E só desejo que tudo o que descobrirmos e inventarmos com o nosso génio humano seja para tornar mais intensa, perfeita e duradoura a presença dos que nos amam e nós amamos.
Dizia o Luís, repetindo palavras do budismo: «se tens fome, come; se tens sede bebe…».
Chega a ser deprimente, no budismo, a ideia do sentido «utilitário» das coisas. Comer, beber, fazer sexo, vestir, calçar, tudo é sempre encarado numa perspectiva individualista. Tudo deve estar ao «serviço» da “minha” iluminação. Tal atitude pressupõe uma filosofia que pensa o homem como indivíduo solitário face ao universo. Acontece que nós descobrimos alguém e fomos descobertos por alguém e formamos um trio inseparável: eu, tu e o universo. Por isso, quando comemos, bebemos, fazemos sexo e nos enfeitamos; ou pensamos, sonhamos e investigamos, estamos a fazê-lo para os outros e com os outros. É por essa razão que fazemos a festa da vida, sinalizando a nossa presença uns aos outros. O amor é o culminar da festa humana. E não nos conformamos que dure apenas o espaço de uma vida. É um doce sofrimento este inconformismo. E nós temos uma palavra divina para o expressar: saudade.
È uma palavra que só o amor sabe dizer.