quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Fascínio da Verdade

Quanto mais vincamos as nossas posições mais claro fica o nosso diálogo. Mas eu sei, Luís, que havemos de chegar a um ponto em que vamos sentir-nos encostados à parede. A nossa razâo vem sendo confrontada com os seus limites, há milénios. Mas atingir esses limites enobrece o homem. Quando sairmos vencidos podemos dizer "pelo menos tentamos". O que é extraordinário é o facto de não termos a mínima vontade de desitir.
Acho que chegou a hora de unir esforços. Assim, gostava que reflectisses comigo sobre a ideia em que tenho insistido de que a realidade intrínseca da matéria, presente nas estruturas ou formas que o observador cria, forma com estas mesmas criações da mente um todo indissociável. Porque a mente espartilha uma realidade que é, como dizes, contínua e eu aceito este facto sem discussão. Mas esse pedaço arrancado ao contínuo da realidade - a forma ou estrutura- traz agarrada a propriedade matricial da "continuidade". Afirmo eu.
Se ambos aceitarmos isto, para onde se encaminhará, a seguir, o nosso pensamento?
Pergunto, porque eu não estou satisfeito com o que tenho em mãos.
Meditando sobre isto, tendo presente aquela ideia da "forma e fundo" de Gedeão (mais próximo que Aristóteles) vejo uma forma que chegou e se desfez, mas deixou um ensinamento, precisamente o "fundo" que permitiu a ciência humana. Como se a "forma" fosse o veículo necessário e temporário da realidade perene, esquiva e sedutora.

Por isso não temos vontade de parar.

domingo, 24 de julho de 2011

Raiz Do Medo( E Do Sofrimento) II

O homem não teme apenas a desintegração da vida. Teme, talvez ainda mais, a desintegração do "eu".
"Ai de mim!", "que vai ser de mim?" são a expressão lancinante de quem antevê a desintegração do corpo e da alma. São gritos de um verdadeiro medo "metafísico" que emergiu no dealbar da mente consciente. Mas as raízes do medo afundam até à primitiva luta pela preservação da estrutura da vida. Os tijolos da vida foram sendo montados em estruturas de complexidade crescente, até atingir o nível de uma central cerebral, ainda cheia de mistérios, como é a nossa mente consciente.
Que esta extraordinária dinâmica fracassasse, foi sempre o grande medo dos indivíduos vivos. Que "eu" me dissolva irremediavelmente, pode ser sentido e percebido como uma tragédia. Neste sentido, o advento da auto consciência humana não anula o medo ancestral de fracassar na simples preservação da vida da espécie. Antes lhe confere uma novíssima dimensão. Porque a consciência humana gerou uma "personalidade", um "eu" íntimo, absolutamente único, e por este “eu” o homem se dispôs a fazer tudo o que fosse preciso para preservar.
Fazendo a ligação ao tema do budismo, diríamos que o homem segue o percurso inverso à proposta budista que é o completo desapego de um qualquer “eu”, como forma de superar o sofrimento. E o desapego ao próprio desapego é o patamar mais elevado, o nirvana. (Se é que entendi alguma coisa do budismo).

Por entre ilusões e desilusões, enganos e desenganos ou victorias e fracassos assumidos, o homem construiu esta história que é a sua. Tem tanto de heróico como de absurdo construir um presente que pode não ter futuro. Chego a pensar que a mente consciente cede ao impulso ancestral da pura conservação da espécie, imolando, no altar da ousadia e do heroísmo, um "eu" consciente que se reconhece único e insubstituivel. É ainda o instinto ancestral do progenitor que dá vida pela sua cria, o garante do futuro dos seus genes. Da sua espécie.
A consciência torna dramático aquilo que há milhões de anos é tão natural. Determinista, quase mecânico.
Esta constatação faz-nos concluir que, sem auto consciência, não existem o medo e o sofrimento humanos.
A autoconsciência gerou o "eu", que sonhou com a fé na eternidade e a expectativa de erradicar o sofrimento.