sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Votos de um Bom Ano

Para todos os amigos que vêm à Laje Negra, votos de um feliz Ano Novo.
Como sou um optimista por natureza, penso sempre que o próximo ano vai ser melhor que o anterior. Mas a verdade é que a História me empurra para esse optimismo.
Quando era miúdo, ouvia cantar as «janeiras» com versos que convidavam ao optimismo, comos estes:

Ano Velho deixa o Novo
Deixa o Novo governar
Enquanto tu governaste
Ninguém te pôde aturar.

Juro que não tem nada que ver com a política!

Um grande a fraterno abraço

Mário Neiva

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Forma e o Fundo (2)

«O budismo é, antes de mais , a consciencia de que nada é permanente», dizes tu, Luis, não sei se por ti, se pelo «outro Buda».
Nesta afirmação desdizes tudo o que afirmas do budismo. Porque a «consciencia de que nada é permanente» pretende ser toda a realidade e a realidade toda. Ou não é assim? E não vale a pena jogar com as palavras-conceitos de «existe» ou «não existe», caindo no racionalismo cartesiano que faz depender a «existencia» da actividade do nosso pensamento. «Penso,logo existo». Para quem aceita o dualismo do ser humano, tal poderá ter alguma lógica e chegar ao ponto de afirmar, como já vi aos espiritualistas, de que não é o cerebro que gera a mente, mas a mente que gera o cérebro.
"Situar" a realidade do pensamento "antes" da "materialidade" do cérebro, que quatro biliões de anos se esforçaram por estruturar, é um modo de ver as coisas. Não é o meu nem o da ciência.
O budismo aparece-me, de facto, como um racionalismo puro encapotado, e o último parágrafo do teu comentário é lapidar.
A laboriosa construção do «eu» implica uma identidade que reproduz perfeitamente, no meu entender, a essencia da realidade, a saber, a perenidade de "ser", que no caso do homem «é consciente» e a permanente mudança ou movimento, materializado em «formas». "Fisicamente", eu, hoje, já não sou o que era ontem. Nem há um instante atrás (ai o tempo!!!). Lá regressamos à «forma e o fundo»! Poderiamos dizer, assim de uma forma um tanto grosseira, que as formas são o desdobramento do ser. E, assim sendo, não só não nos levam ao engano, como, bem pelo contrário, nos revelam as belezas do «fundo».
O génio humano não ficou passivo, aguardando que este «fundo» se revelasse nas «formas» e quer saber mais. Porque descobriu que existe um «fundo» e nós somos parte desse «fundo» acredita que conhecendo esse «fundo», conhecerá o seu destino.
Mas um novo problema se levanta. A «forma e o fundo» são as duas faces da mesmissima moeda e a realidade aparece-nos como uma espécie de obra inacabada e, nesse sentido, "inexistente" . (Talvez seja por isso, Luis, que passas a vida a dizer-me que «existes e não existes»). Olhamos a moeda da vida de um lado e vemo-la em perpétua mudança; olhamo-la do outro e vêmo-la tão dura e eterna como um diamante.
Ficamos baralhados. E o caso não é para menos!
Diz-me aí, Luis, tu que afinal sabes de dois Budas, qual a face da moeda do «ser» ou da vida que o budismo não está a ver?

domingo, 26 de dezembro de 2010

«O Caminho Do Meio»

«O caminho do Buda não é o do ascetismo, nem o da luxúria. É o Caminho do Meio. Rejeitar as privações e os excessos. O apego é excesso. Jogar um joguinho é bom, mas ter mau perder não é bom. A diferença está no apego. O egoísmo, o orgulho, o desejo desmedido, resultam duma sobrevalorização do eu». ( do Luis)

Já vai sendo hábtito fazer um post a partir de um comentário a outro. Como se estivesse a comer cerejas de um cestinho, mesmo acabadinhas de apanhar, com os longos "pés" entrelaçados e, quando a gente pega uma, vêm três ou quatro de uma vez.

Está tudo muito certinho nos "conselhos" de Buda. São palavras sensatas e sábias para uma vida tranquila e feliz. Mas são também palavras que apelam ao conformismo com o «fado» que nos calhou em sorte. Neste sentido o Luís afirma, na citação acima, que «o caminho do Buda não é o ascetismo». A «perfeição» de Buda é a conformidade à nossa condição humana, ajustando a razão e a vontade ao que somos. E aquilo que somos está fixado como realidade no mais íntimo de nós. No fundo, a nossa tarefa será encontrar a realidade que já somos e da qual nos afastamos, vá-se lá saber porquê. Nesta perspectiva, se a «nossa vida» não é um regresso ao passado, parece.

Não é esta a perspectiva que nos oferecem os desenvolvimentos actuais da ciência, que nos fala de um universo em expansão e nos revela um longuíssimo processo evolutivo, até à emergência da mente consciente. A mesma mente que nos possibilita considerar diferentes perspectivas para a realidade do ser humano.
Não são poucos os cientistas a afirmar que a evolução continua o seu curso e isso significa que não existimos para reencontrar a nossa essência mas para criá-la. E portanto, meu caro Luís, «O Caminho do Meio» ou o caminho do perfeito equilíbrio é uma demanda inglória, como de alguém que procura o que já foi ou é. A perspectiva alternativa é a criatividade, esperando que seremos aquilo que nunca fomos.
Para mim é muito mais aliciante.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Consciencia, Sofrimento e Criatividade

Mais uma vez o meu comentário ao Luís virou "homilia" e tive de o puxar para uma postagem. O que vale é que estou em minha casa...

Voltando ao teu comentário anterior, quando dizes que os actores humanos sofrem menos ao tomarem consciência (iluminação) de que são actores e espectadores da sua própria vida, a mim parece-me que é precisamente o contrário. A iluminação da consciência é fonte de inquietação e tornou-se um autentico motor de criatividade. Um animal apavora-se ao «pressentir» o ataque iminente do predador. Nós conservamos intactos os automatismos de reacção perante o perigo, herdados dos nossos longínquos antepassados. A consciência humana que desenvolvemos, amplia e antecipa perigos. E o perigo maior é a consciência da inevitabilidade da morte. O contrapeso desta carga negativa é a memória das alegrias e a consciência da felicidade presente e da felicidade perspectivada.
Os antigos estavam "iluminados" acerca deste seu destino e de que muito pouco poderiam fazer para lhe escapar. "Não pensar nisso" , num desapego-desinteresse crescente, poderia ser uma das "saídas". Não terá ido por aqui o Budismo? Outra escapatória, tão radical quanto fantasiosa, foi a fé numa vida depois da vida, quer fosse para recuperar a felicidade não conseguida nesta primeira passagem pela Terra, quer fosse para tomar posse da felicidade eterna, como prémio de "bom comportamento". Em parte se explica, assim, o nascimento da ética e da moral.
É extraordinário verificar como Damásio mantém intacto o historial completo do processo evolutivo que conduziu à emergência da mente consciente no cérebro, desde as primitivas formas de vida. Todos os mecanismo da «regulação da vida» subsistem no homem da mente consciente e são componente essencial na criação das emoções, sentimentos e pensamentos. Leiam e meditem o seu Livro da Consciência.
De uma maneira simplista poderíamos dizer que as práticas budistas e a fé dos homens não são mais que a homeóstase sublimada.
Fim de conversa?
Penso bem que não. Apenas o principio de uma nova era. A era da ciência. Ainda é uma criança, alguns séculos apenas. Mas já deu para perceber que a «regulação da vida» vai estar cada vez menos dependente dos primitivos automatismos, que eficazmente preservaram a vida que hoje somos. À medida que formos compreendendo e reproduzindo os mecanismos da vida, estaremos aptos a regular a vida de uma forma consciente, preservando o ser humano de acontecimentos e memórias atentatórias da vida e garantindo, para amanhã, uma vida sem percalços. Definitivamente teremos a ciência a cuidar da regulação da nossa vida, aqui neste paraíso onde fomos semeados.
Está-se mesmo a ver que, paulatinamente, a ciência vai tomar o papel da ética e da moral, que foram até agora os «reguladores» estabelecidos e aceites da vida dos homens.
Muita gente vai ainda espernear, até se convencer que é inútil lutar contra os factos.
Mesmo que sejam precisos cem anos para aprovar o uso de um preservativo. As «igrejas» vão acabar por compreender que não podem excomungar a própria Humanidade.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Forma e o Fundo

É esta harmonia
Entre forma e fundo
É esta harmonia
Entre forma e fundo
Que eu desejaria
Ver florir no mundo
Ver florir no mundo
Ver florir no mundo

São os versos de uma canção de Manuel Freire, que encantavam a minha juventude há quase cinquenta anos.
Foram escritos e cantados quando tu, Luís, ainda não eras nascido. Agora vens dizer-me que as «formas» são a «absoluta vacuidade». E dizes mais, que as formas estão na origem do «apego» da alma (?) do eu (?) a essa mesma vacuidade, impedindo o encontro com a verdadeira realidade, que designarei como o «fundo» da cantiga do Manuel Freire. Será, este «fundo», o correspondente da tua «realidade última, subjacente a tudo, como escreveste no comentário ao post anterior?

«Eu cá acredito na existência de uma realidade última, subjacente a tudo. Ou seja, que no fim há algo "duro" e não o absoluto "vazio".

Eu confrontei-te com a radical «desmontagem» das formas, quando a estrutura espantosa de um ser vivo como o homem se reduz a um punhado de cinzas e, mais ainda, a um informe aglomerado de partículas subatómicas, que se irão subdividindo até ao ...nada. Aqui, atalhaste o meu raciocínio e fizeste a profissão de fé que transcrevi do teu comentário. Mal te li, imaginei-te abraçado ao Pe Mário Oliveira ou ao Dalai Lama, três crentes que por caminhos diferentes encontraram a realidade primeira, «subjacente a tudo».
Eu não me importava nada de me juntar ao grupo nesse abraço. E só não vos caio no colo porque a minha fé segue outra direcção.
Vocês três recusam o absurdo do aniquilamento da realidade que somos (para além da fase da forma). Eu também. Acontece é que vocês ficam-se pela profissão de fé numa hipotética «realidade última», enquanto que eu junto-me aos operários da ciência que querem dar «forma» a essa realidade última e para o efeito pesquisam em todas as direcções e, mais espantoso de tudo, andam a estilhaçar as partículas das partículas, destruindo formas atrás de formas (subatómicas), como que continuando ou reproduzindo o papel da morte, para lhe descobrir os segredos. A esperança destes operários da ciência é, precisamente, aprender como criar formas a partir da realidade última (ou primeira?).
Esmagar um átomo no acelerador de partículas é abater uma forma no limiar do vazio ou do nada, para começar a estruturar a realidade a partir de um «quase nada».
A diversidade impressionantes de formas em que a realidade se estruturou não desvia o homem da "verdade" ou da verdadeira realidade. Mas eu compreendo que é muito difícil aceitar acontecimentos que nos parecem existir e não existir, ao mesmo tempo. O Luís tem uma percepção aguda deste facto e eu compreendo-o. Realmente nós somos um ser muito estranho. Somos actores e espectadores do teatro da nossa própria vida. Se estou no palco, não posso existir, simultâneamente, como espectador na plateia; se estou na plateia, não posso existir como actor no palco. No entanto é isso que acontece, como está a acontecer neste momento em que me observo a escrever este texto. Se houvesse, nem que fosse uma fracção de segundo, a separar os dois actos, teria tempo de sair de mim e contemplar-me "de fora". Mas não acontece nada disso, nem pode, porque sou uma unidade indissociável. E então acabo por perceber que a mente consciente me dá uma espécie de dom da ubiquidade! A coisa é tão estranha que o Luís diz que é tudo uma ilusão: a minha consciência, o palco onde desempenho o meu papel e todo o cenário envolvente. Real mesmo, só a «realidade última», seja lá o que isso for.
Não sei se lhe dê razão, se aceite esta espécie de ubiquidade. O pior é que isto não vai lá com voluntarismos, de modo que vou aceitar o meu dom da ubiquidade. E acabo por dar razão ao Luís, quando diz que as formas atrapalham, porque nos limitam a um determinado tempo e espaço.
Os «inimigos» das formas têm que reconsiderar a sua atitude e acabarão por descobrir que não há "forma" sem "fundo" e que o "fundo" sempre se trans-forma. Ao jeito da plasticina...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Realidade E A Ficção

A propósito do comentário do Luís ao post anterior


Não sei, Luís, a quem te referes quando alguém imagina (só pode) um cérebro isolado, «com identidade própria, por oposição à realidade». Não serei eu, de certeza, mas quem sou eu para falar com autoridade dessas matérias. Para uma autoridade que vou conhecendo cada vez melhor, A.Damásio, essa de um cérebro separado e autónomo do corpo de que faz parte, não tem cabimento.
O que tem sido estabelecido como doutrina de teologias e filosofias é algo bem diferente e, a meu ver, aí é que entra o que eu chamaria de «pensamento desincarnado», quando se considera a existência de uma mente ou alma ou espírito, autónomos da realidade física. É a tal «res cogitans» de que fala Descartes.
No Livro da Consciência, A.Damásio faz remontar as "raízes" do cérebro humano, com as capacidades de que beneficiamos, às estruturas celulares e aos fundamentos de onde estas estruturas emergiram.
Mais «continuum» não podia ser.
Ninguém inventa fronteiras para as estrelas ou para os planetas do sistema solar. Ninguém inventa fronteiras para a organização dos electrões e protões em interacção com o núcleo atómico, nem com a organização molecular, celular e dos tecidos, para dar origem aos organismos. Se duas moléculas de hidrogénio e uma de oxigénio se combinam para me encher um copo de água fresca, ninguém ficcionou coisa alguma. Se um dia a nossa brilhante capacidade cerebral reproduzir um cérebro igual a este, como hoje já pode reproduzir um copo de água fresca, continuamos no mundo da realidade que vamos conseguindo compreender, transformar, reproduzir e até criar.
Quando o magnifico Aristóteles, há cerca de 2500 anos, coleccionava centenas de plantas e animais, para compreender a vida, o que ele "via" nas espécies vivas que recolhia não tem comparação com aquilo que um biólogo actual "vê" nessas mesmas espécies. Isto quer dizer que nem Aristóteles nem os actuais biólogos manipulam ficções, antes realidades com fronteiras e nós estamos conscientes dessas fronteiras, que não são mais que os limites do nosso conhecimento. Estou convencido que os biólogos do próximo século hão-de sorrir condescendentes, ao ler o que hoje escrevemos sobre as espécies vivas e o que “apenas” conseguimos perceber nelas.
A consciência dos nossos limites e os enganos a que estamos expostos são a prova mais eficaz de que lidamos com a realidade e não com a ficção. Mas também somos fantásticos ficcionistas.
Desde meninos aprendemos a brincar ao «faz-de-conta», treinando-nos para distinguir entre ficção e realidade.

domingo, 19 de dezembro de 2010

II parte «Do Livro da Sabedoria ao Livro da Consciencia»

Começo com uma citação da última publicação de António Damásio:«...não sugeria de todo a existência de substâncias separadas, uma mental e outra biológica. Não sou um dualista da substancia, como Descartes o era, ou nos fazia crer que fosse, ao afirmar que o corpo tinha extensão física mas a mente não, sendo os dois feitos de substâncias diferentes». (Livro da Consciência, 1ª edição, Circulo-Leitores, pag.91).

Antes mesmo de entrar na análise das consequências do que significa considerar o ser humano como uma realidade única e indivisível, tal como Damásio propõe e eu concordo plenamente, queria deixar mais uma nota sobre a "pregação" e a ciência.
Há muito que me parece evidente que os pregadores atacam os efeitos - a "desgraça" humana - e a ciência ataca as causas dos "desatinos" dos homens, com a mesma simplicidade e verdade que se impõe, como quando explica que, é o Sol e não a Terra, o centro do nosso sistema solar. O resultado desta distinta postura é que os pregadores tendem a desencadear conflitos e a ciência surge no papel de bombeiro e apaziguador, acabando sempre por levar a melhor, porque a inteligência dos homens prevalece, quando ficam patentes as raízes dos "desvarios".
As consequências das parcelares mas enormes verdades científicas são tão demolidoras para a «pregação» dos iluminados que a instintiva reacção destes é condená-las, pura e simplesmente, ou demorar cinquenta ou cem anos a dar o braço a torcer.
A legislação de todos os países condena, e bem, os assassinos em série, que matam com frieza inimaginável. E quem for ler investigadores científicos na área da genética fica a saber que um gene degenerado do embrião humano é a causa imediata do nascimento do monstro assassino tal como podem outras degenerescências ser causa da cegueira, dos diabetes ou do impulso frenético para acumular riquezas.
Os pregadores vão gastar a vida inteira a vociferar contra os «filhos da mãe», quando, nestes, a degenerescencia atenta contra a moral ou a ética que pregam, enquanto que a ciência, no silêncio paciente e profícuo dos laboratórios, procura combater as causas, amando, como ninguém, a condição humana que também é a sua.
É por estas e por outras que eu já não suporto ouvir mais os «padres mários» e me encanto com a nobreza do trabalho de homens como António Damásio.
Também por isso não estranho nada que os pregadores anunciem, constantemente, o fim do mundo para ontem e a ciência nos empolgue com o mundo novo que podemos construir.
Existe, a meu ver, um «preconceito» antigo que determinou a atitude dos «pregadores». É esse «preconceito» que é preciso desmontar, com a mesma convicção e força da verdade dos factos, com que Galileu arriscou a vida para defender as verdades da ciência.
A propósito destas coisas, estou com uma vontade enorme de ler todo, o título que apenas folheei na Bertrand «O Dedo de Galileu».

sábado, 18 de dezembro de 2010

Do Livro da Sabedoria (Pe Mário) ao Livro da Consciência (António Damásio)

Deliberadamente, ao estabelecer aquela sequência no título desta postagem, como se estivesse a sugerir um percurso que vai da sabedoria para a ciência, quis dar o mote para este meu comentário acerca do posicionamento dos dois autores face à realidade do ser humano.
António Damásio, com a humildade dos antigos filósofos gregos, investiga persistente e apaixonadamente, na demanda da ciência (a nossa sabedoria possível) do universo da vida. O Pe Mário, dizendo-se o mais humilde dos homens, proclama, do alto da soberba montanha onde subiu, a sua sabedoria infusa, que faz dele um iluminado desde que nasceu. Bem ao jeito do seu «Jesus-o-de-Nazaré»
Sabedoria infusa, sim; adquirida, não, porque não há escola que a dispense.
Não é de estranhar que, em trinta anos, o Pe Mário publique trinta títulos da sua sabedoria infusa, porque é só deixar jorrar da sábia fonte, enquanto que António Damásio publique apenas três, à razão de dez anos para um livro. E, o que ainda é mais significativo, Damásio, no livro seguinte corrige e completa os anteriores, confessando, de cada vez, que o mistério da emergência da mente consciente continua por explicar e compreender.
Para que nós saibamos ao que vamos, quando nos preparamos para ler o seu Livro da Consciência, Damásio deixa esta citação esclarecedora de Richard Feynman: «O que não consigo construir não consigo compreender». Por outras palavras, os homens que se dedicam ao estudo da consciência humana vão dizendo que só compreenderão a mente humana quando forem capazes de a criar.
É verdade que Damásio se dedica ao estudo específico da realidade que é o nosso cérebro e de como neste emerge a mente consciente. Mas ele tem sempre presente o ser humano como «um todo». Este facto faz dele um cientista invulgar, aliás, como outros que hoje vão aparecendo, ao ponto de nós não conseguirmos perceber a diferença entre o observador e experimentador e o homem que se interroga para além do que observa e experiencia, já numa clara atitude filosófica. E todos nós sabemos que o homem-filósofo não se fica pela compreensão da actividade cerebral. Se é verdade que a actividade cerebral se explica a si própria à medida que se observa a sua organização e o seu funcionamento, não é menos verdade que aquela organização prodigiosa tem um historial impressionante de biliões de anos. Se conseguirmos recriar, em laboratório, essa história, compreenderemos a mente consciente. Dizem eles.
Até lá, restam-nos duas atitudes perante a realidade misteriosa: continuar a investigar, pacientemente, ou saltar por cima da realidade do nosso conhecimento e capacidades actuais, acenando com as verdades definitivas da fé, seja no Jesus-o-de-Nazaré do Pe Mário, seja no Deus das religiões. Em alternativa a estas, também há os que se sentam, meditabundos, concentrando as energias todas da mente para mergulhar no vácuo absoluto, onde um «eu» laboriosamente construído ao longo de biliões de anos, desapareça diluído na “substância original”, una, indivisível e impessoal. Ora isto é o caminho inverso da evolução por força de um impulso vital, que resultou na criação da mente consciente e do «eu» que a preside, segundo António Damásio. Poderíamos considerar a atitude dos «meditadores» como o resultado de um impulso contrário à emergência do «eu», designando-a de auto-aniquilamento. Uma espécie de suicídio espiritual. E digo «suicídio espiritual» lembrando que o «suicido material» eles já o iniciaram, ao reduzir ao mínimo dos mínimos a actividade «física», manifesta no desprezo pelo «bulício» ou «fervilhar» da vida do dia-a-dia. No limite, este «suicídio material» consubstancia-se no desprezo por toda a pesquisa científica.
A propósito, recordo que já escrevi, neste blog, acerca do cientista francês que largou todo o seu trabalho de pesquisa cientifica, para se recolher num mosteiro budista e depois deambular pelo mundo de braço dado com o Dalai Lama. Bem podem dizer estes «suicidas» que aceitam a pesquisa cientifica e a ciência, porque ninguém vai acreditar naqueles que a abandonaram em nome de uma forma de compreensão e construção do ser humano que, na prática, a nega.
E tudo isto porquê? Porque esses “pregadores”, sejam o Pe Mário ou o Dalai Lama, já se julgam senhores da EXPLICAÇÃO para o mistério da vida. E a prova é que todos deixam a «escola da ciência» e se perdem num diletantismo oco e vaidoso, porque é nisso que transformam o apreço pela cultura humana, quando a ISOLAM DA MENTE CONSCIENTE QUE A PRODUZIU. Ora, na base da cultura está o conhecimento; e a pesquisa cientifica pode ser considerada como as pernas e as mãos da nossa mente curiosa e sempre insatisfeita. Saramago, de uma forma feliz e carregada de intenção e significado, diz que «os sentidos são as pernas da alma».
António Damásio, neste seu último livro, que demorou dez anos a construir, procura explicar como isso acontece, denunciando sempre o «Erro de Descartes», erro esse que está na base do pensamento desincarnado.
E é aí que eu vou deter-me numa segunda parte deste comentário. Mas não queria fechar esta primeira, sem destacar o entusiasmo destes homens cientistas-filósofos pelo momento que vivemos de autêntica explosão do conhecimento em todas as direcções e a consciência crescente que eles manifestam de que «tudo tem a ver com tudo». Assim como os físicos teóricos procuram uma «teoria de tudo», os homens da pesquisa científica já entenderam que devem caminhar no sentido da «ciência do todo».
Contrastando com este entusiasmos dos “damásios” deste mundo, deixo-vos com as palavras azedas dos derrotistas e derrotados “padres mários”.

«Os tempos são de demência global»
«São tempos de generalizada demência»
«O ser humano nunca esteve tão desenvolvido e tão distante do ser humano que devemos ser».
E que preconizam estes pregadores iluminados para chegarmos «ao que devemos ser?
Ouçamos o mesmo autor das palavras acima citadas, o Pe Mário: «Nada melhor que a leitura deste livro (o seu Livro da Sabedoria) para conseguir esse desígnio».
Ocorre-me dizer que é tudo tão fácil quando se acredita na magia do milagre, em que a leitura de um livro constrói a nossa história individual ou colectiva. Na falta de uma ciência como a que hoje conhecemos, os nossos antepassados acreditaram que isso era possível e alguém cuidou de servir-lhes, oportunamente, «A Palavra de Deus», milhões de vezes transcrita em todas as bíblias sagradas. Nem por um instante escarneço dos meus pais e dos meus avós que não tiveram outra oportunidade que não fosse seguir a voz desses pregadores. Neste inicio de o século XXI, ver pregadores letrados a acenar com a «Palavra de Deus», isso me leva a denunciá-los como vendedores de banha da cobra, fazendo a gente simples e crédula acreditar que por uma leitura e conversão a uma determinada ética ou uma determinada moral conseguem construir um homem novo, de um dia para o outro, como se tudo na vida fosse resultado de uma magia.
Bem gostava de saber como é que se vão safar aqueles que não terão a oportunidade ou a pachorra para ler o Livro da Sabedoria!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Em atenção ao post anterior

Há dias li o post abaixo e tinha decido ficar por aí, pois não conheço o Pe Mário e a conversa não era comigo. Hoje, no entanto, ao passar de novo por aqui, deu-me vontade de entrar na conversa e expor um pouco o que penso a respeito deste post, e digo só deste post porque não li nenhum dos livros de que aqui se fala.

E não sei se seria necessário! O Pe Mário, nesta sua resposta ao Mário Neiva, deixa transparecer tudo o que lhe vai na alma. A sua ideologia, a sua fé, a seu caminho para a “salvação”. E penso que é feliz. Traçou a seu caminho e segue-o fielmente, cegamente, sem sombras de hesitações, nem questionamentos desnecessários. O seu percurso raciocinativo é exclusivo, único e verdadeiro por essência. Não posso duvidar de que é feliz.

Mas, hó Pe Mário, como hei-de eu segui-lo na sua exortação? Diz-me ser necessário despir o manto da Ideologia... para descobrir a realidade. Ora despir a minha, para vestir a sua ideologia, diga-me por que razão hei-de eu fazê-lo? E se me dispo do meu manto, sem vestir outro, fico nu! Nu como nasci, sem consciência do que sou. Serei então menino, menino animal, sem consciência de que sou parte da humanidade, consciente e racional. O “ser-menino” de que fala no seu texto é isso! É isso o renascer!... Tarefa bem difícil, di-lo e eu concordo. Isso implica regressão, esmagamento do ideal do homem. O ser humano, sim, é evolução, é progressão, é eterno caminhar subindo. Subindo e não descendo, Pe Mário! Quando me ensinaram a catequese, ainda me lembro, para baixo era o inferno, o céu ficava em cima, muito em cima, sendo preciso subir muito para o alcançar.

O Pe Mário me dirá: Sim, sim! Descer em ser-humano, subir em ser-menino. Aprazível ideologia, mas dura realidade. O homem é um animal inteligente e consciente. Se lhe tirarmos a inteligência e a consciência só ficará o animal.

Não será isso regressão?

Enfim... é só a minha opinião!

Limabar

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Resposta do Pe Mário

Oh. Mário, meu Amigo!
É assim que (me) vê ESCRITO?!
Agradeço-lhe as palavras-que-me-dá.
Toda a Crítica que me chega, transformo-a logo em auto-crítica. Nada se perde. Também sou as Críticas que-me-dão-a-comer.
Bem-haja, pois!

Quase me apetecia convidá-lo a voltar a ler o NOVO LIVRO DO APOCALIPSE OU DA REVELAÇÃO. Agora, já não com esses olhos com que me leu, mas como um menino. E, se ao NOVO LIVRO DO APOCALIPSE, lido como um menino, juntar O LIVRO DA SABEDORIA, Edium Editores, poderá, no final, estar também menino. E, então, verá como a Realidade sem o Manto da Ideologia e da Idolatria é tão diferente de como aqui a/me descreve! Tão diferente, Mário! Tão diferente! Mas lá está: Se vos não fizerdes como meninos (= meninos-servo, entenda-se), não enxergais a Realidade, tal como ela é. Só enxergais o Manto Ideológico / Teológico que, desde que há animais racionais sobre a Terra, sempre a cobre e a esconde. E não é que este Manto está na nossa Mente? Pois se fosse fora, seria fácil tirá-lo, sem MUDARMOS o nosso ser-viver-pensar-actuar histórico. O problema, Mário, é que está dentro. E só sai de nós, se nós o EXPULSARMOS. Porém, semelhante OPERAÇÃO, exige que Nasçamos de Novo. É o caraças, Mário. Porque ninguém NASCE DE NOVO, se não começar por se fazer pobre por opção e por toda a vida. Nada Ter. Nada Poder. Nada Saber. Nunca SUBIR. Sempre DESCER-DESCER-DESCER. Tudo Perder. Até o bom-nome! E lá está Jesus, CERTEIRO, mas como Espada de dois gumes: É mais fácil um camelo entrar pelo buraco da agulha, do que alguém ser pobre por opção e por toda a vida.

Perdoe-me, Mário, este atrevimento de menino.

Quanto a Jesus não escrever nenhum livro, está, obviamente, a referir-se a Jesus Século I, quando havia os profissionais da Escrita. E todos os demais, ou sabiam ler (não escrever), ou aprendiam a escutar. Memorizavam. Jesus Século XXI, porém, escreve-e-fala-como-vive, é jornalista sem empresário para dar a Boa Notícia do Projecto Político Maiêutico aos Povos que os faz Livres e Autónomos, nos antípodas do Projecto de Poder Político que Domina e Descria os Povos; tem site na internet; conversa regularmente no youtube, e Compartilha a Mesa com gente-sem-templo-nem-altar em Restaurantes de refeições económicas e casas de famílias-que-o-acolham, ao mesmo tempo que ele próprio sempre se dá a Comer. O que gera Polémica até mais não!

Vá lá, Mário. E, por favor e amor de si, não confunda Jesus, o camponês-artesão de Nazaré, o filho de Maria, com o todo-poderoso Cristo de Paulo, ou do Pedro, ou do Papa Bento XVI, ou do Bispo do Porto, Prémio Pessoa 2010, nos cem anos da REPÚBLICA. Mas que COINCIDÊNCIA(?!), não é?. Cristo é o Poder-que-crucifica, Mário. Jesus é o Crucificado! São antípodas um do outro. Não o mesmo!
Fico abraçado a si. Ou, mesmo, no seu colo. Como um menino. Mário

Livro do Apocalipse -Pe Mário Oliveira

Com o consentimento do destinatário, o conhecido Pe Mário de Macieira da Lixa, trago ao blog uma nota critica ao seu livro em título e a resposta pessoal do próprio Pe Mário, no post seguinte. Poderei estar a ser injusto na minha apreciação. Se ficarem na dúvida, depois da resposta do Pe Mário, só vos resta comprar o livro e julgar por vós mesmos.



Caro Pe Mário

Já acabei de ler o seu livro anterior, o do Apocalipse. Muitos textos já conhecia.
Apenas uma nota. Da leitura dos seus escritos fica-me a impressão de que tudo o que o homem vai fazendo para transformar a sociedade, quase sempre de forma atabalhoada, como seria de esperar de quem evoluiu desde a idade das cavernas e de muito antes disso, fica-me a impressão de que o Pe Mário condena tudo a eito, numa linguagem que anatematiza tudo e todos. Até o acelerador de partículas tem o selo do diabo! Parece que o Pe Mário, bem à sua maneira, idealizou uma Cidade de Deus como havia feito Santo Agostinho e quem não for como o seu inspirador, Jesus-o-de-Nazaré,vive fora de portas.
Acreditando eu que está imbuído do espírito de «Jesus-o-de-Nazaré», não compreendo como se virou para a escrita, e de que maneira! sabendo que ele não escreveu uma única linha em papiro ou pele de animal, ficando para a história, como comprovativo de que era alfabetizado, a narrativa que o apresenta a escrever na areia os pecados dos fariseus acusadores da mulher adúltera.
Talvez a ausência de uma única palavra escrita pelo seu punho seja a razão pela qual cada um pode dizer tudo e o seu contrário acerca da sua doutrina. Cada evangelista escreveu do que ouviu falar e não vejo porque o seu «Jesus o de Nazaré» valha mais ou menos que o deles. E o seu evangelho, tal como o de Paulo encrostado nas epistolas (pelo menos nas autenticas) vale o que vale e vale até para diabolizar o acelerador de partículas. E o Pe Mário é coerente na sua pregação, que desvaloriza até à diabolização completa a trabalho árduo e ardoroso de uma Humanidade que não desiste de crescer. Apesar dos seus anátemas.
Para si, as pessoas ou agem da forma que o senhor prega ou encaminham-se para o abismo.
Todos os empreendimentos humanos (desde quando?) são ditados pela ganancia ou por uma tenebrosa trindade de poderes e, em consequència, de toda a obra humana que se constituiu como acervo cultural, não restará pedra sobre pedra. Dentro desta lógica, compreendo que me tenha devolvido o vídeo sobre os magníficos edifícios construídos para a ópera, considerando tais coisas desprezáveis, porque feitas sobre o suor e sangue de gente escravizada.
Para si, Deus (o ídolo?) nunca escreveu direito por linhas tortas. No entanto, se nós somos obra sua (do ídolo?) bem tortos saímos da criação. E quem é criado torto, tarde e mal se endireita.
Não tem receio que alguns euros aplicados na construção do seu «barracão da cultura» tenham procedência demoníaca?
O meu abraço fraterno e sincero e não veja nesta critica má vontade contra a sua pessoa. Apenas contra a sua pregação. Como pessoa, sempre admirei o seu coração generoso.
Mário Neiva

(Acima refiro «livro anterior» porque, entretanto, o Pe Mário publicou o «Livro da Sabedoria»

sábado, 11 de dezembro de 2010

Insuficiencias da Ciência? Olha Quem fala!

Aqueles que, em defesa das suas crenças ancestrais, denunciam hoje os malefícios e falhanços da ciência, esquecem com facilidade o que foi, ontem, o horror da actuação do homem sob influencia das suas ideias religiosas. Aceitemos todos, humildemente e em verdade, que errar é próprio do homem e continuemos a procurar o melhor caminho, exactamente aquele que ainda não foi encontrado. Por isso estamos todos um pouco às escuras, sendo dificil evitar que andemos sempre às turras ou aos encontrões.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Velho Problema dos Espiritos

«...o nosso “espírito” está por demais preso à matéria para que lhe seja possível ver como espírito. Eu diria mesmo que “os espíritos” são o próprio da consciência do homem». (Limabar, na caixa de comentários ao post anterior)



E eu diria muito mais: o espírito está dependente da matéria para, não só se manifestar, como pretendem os espíritas, mas também para existir. Nisto reside uma polémica que parece nunca mais acabar. Mas há-de acabar, quando a física das partículas puser a descoberto as impensáveis potencialidades daquilo que sempre foi designado, com um certo desprezo, por «matéria». O mistério vai sendo desvelado perante o olhar incrédulo dos cientistas, quando verificam que as partículas se organizam em átomos, estes em moléculas, crescem para as células e estas se constituem em tecidos e depois órgãos, com a complexidade de um espantoso fenómeno como é o cérebro humano.
Habituados a considerar a «matéria» como uma realidade "grosseira", instável e degradável, comparada com a subtileza do pensamento, da imaginação e do sonho, mandava o bom senso que o brilhantismo desta actividade não estivesse dependente de um corpo todo ele corruptível, mas fosse uma realidade completamente autónoma que, não se sabe bem porquê, vive aprisionada na reles materialidade.
Lá porque o produto final de uma fabulosa capacidade de organização dos constituintes básicos da matéria resultou na nossa maravilhosa mente consciente, isso não é motivo para fantasiar uma origem «misteriosa» do meu espírito, origem essa que eu próprio desconheceria, quando deveria ser o primeiro a testemunhá-la, com a mesma evidencia com que testemunho a minha filiação, filho de José Neiva e de Rosa Oliveira. Estávamos perante o absurdo de eu ser capaz de conhecer a origem imediata da minha materialidade «opaca», o corpo, e não o ser da minha identidade «superior e diáfana», o espirito.
Parece-me, porém, que o problema é outro e ninguém o quer reconhecer com frontalidade, apenas porque não há solução e o homem não aceita ser «encostado à parede». Esse problema é a morte completa do homem, ou seja, do corpo e da mente que dele emergiu.
É isso: o tabu da morte.
Eu anoto, sem ponta de ironia: ainda bem que o homem nunca se conformou com a ideia da morte completa e definitiva. E parece-me que, na lógica da evolução biológica nunca podia ter-se conformado, porque tudo no ser vivo é procura da sobrevivência e mais vida. O absurdo da questão da morte só se evidencia porque nos foi dado olhar o passado e o futuro, do alto da nossa sublime consciência humana. Uma dádiva que mais parece uma maldição e que, efectivamente, nunca foi, porque o homem, corajosa e ardilosamente, seguiu em frente.
Pensar um «espírito» a pairar dentro de um corpo é um ardil maravilhoso.
Quem sabe um dia o génio humano não cria um corpo à feição da tão sonhada «imortalidade da alma».
O cristianismo já o "criou" pela fé. S.Paulo chama-lhe, muito apropriadamente, um «corpo espiritual». Para quem se habituou a pensar a «matéria» como coisa reles, esta elevação paulista da materialidade à espiritualidade é uma verdadeira heresia.
Mas o problema não é meu.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Vida Extraterrestre? Os Espiritos Já Cá estão....

Abordo esta questão apenas porque o meu querido amigo Limabar fez a interpelação. E confesso que já andei todo p'raí virado.
É claro que a única resposta que posso dar é que não sei, porque se soubesse, Limabar, tu não estarias a fazer-me a pergunta. Possivelmente fizeste a pergunta apenas com a intenção de saber o que eu penso sobre o assunto. Claro que percebi a intenção e aqui vai a minha opinião.
Começo por citar uma "autoridade" na matéria e que eu respeito muito, Car Sagan. Afirma ele na sua última obra publicada (1995), e escrita quando já estava internado para morrer: «Não encontramos ainda provas concludentes da existência de vida fora do nosso planeta. No entanto,a busca ainda agora começou. Tanto quanto sabemos, a obtenção de mais e melhor informação pode ocorrer já amanhã. Penso que ninguém estará mais interessado do que eu em saber se estamos a ser visitados».(In «Um Mundo Infestados de Demónios)
Um destes dias a NASA anunciou a descoberta de uma bactéria que se desenvolveu a partir do fósforo, o que representa uma completa novidade em relação à biologia terrestre. Desconheço se essa bactéria estranha foi encontrada em alguma «amostra» vinda do espaço, como por exemplo da lua ou de marte, ou foi referenciada a partir de um meteorito não "contaminado".
O que interessa realçar, neste momento, é que o caminho para a descoberta da vida extraterrestre é a persistente e cuidada investigação científica e não o testemunho de visionários que fazem apelo à credulidade da gente simples e honrada. E quase sempre o testemunho destes indivíduos é mal fundamentado ou simplesmente falso, destinado à promoção e à exibição dos protagonistas. O puro mercantilismo é outra faceta e a mais reprovável.
Quando se fala em «vida extraterrestre» sou tentado a associá-la à ideia de «espiritos desincarnados», «almas penadas» ou «almas do outro mundo». É claro que não é isto que a ciência procura nem é isto que o cinema da «guerra das estrelas» ficciona. Mas apetece-me dizer que os homenzinhos verdes das naves extraterrestres são os sucedaneos modernos dos «espiritos desincarnados» dos nossos avós e dos nossos contemporâneos espiritas.
O certo é que o «espirito» dos espiritistas é de todo incompatível com o pedaço de cosmos que é o nosso lindo planeta com tudo o que o habita e devidamente representado (em mim?) pelo naco de carne designado corpo. E neste sentido se poderia dizer que sendo eu um "espirito" sou um extraterrestre. Quiçá, um extra- cómico. Queria dizer extra-cóSmico.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Este «Corpo-Espiritual» Que Não Me Larga...

Este post era para entrar na caixa de comentários ao meu post anterior, a propósito de uma observação do Limabar acerca do «Intrometido». Achei por bem puxá-lo para aqui. Com um pouco de paciência de vossa parte fica tudo bem.

Por acaso até se sabe de onde vem, porque lhe estou a responder no blog que referi no fim do comentário (aaacarmelitas). Mas, realmente, não sei quem é. Penso que talvez seja um antigo condiscipulo.
E por falar nisso, quando apareceste como Limabar, lembrei-me de um desses condiscipulos dos meus primeiros anos do seminário, na Falperra, em Braga, porque um colega e amigo se chamava António de Lima Barbosa, de Geraz do Lima, e ainda pensei que pudesses ser Limabar, de Lima Barbosa. De certeza que foi só eu a sonhar.
No teu breve comentário pareceu-me ver um reparo à falta de «enquadramento» do meu post. Digamos que é um post "intrometido". E tens razão. A verdade é que eu não perco uma oportunidade para defender a ideia do homem uno e integral e rejeitar com frontalidade o dualismo dos "espiritualistas". A afirmação da unidade do homem será recorrente em tudo o que escrever sobre o tema, não por mania e simples convicção, mas porque é nesse sentido que vão as descobertas mais recentes das ciências neurológica e genética. Por uma coincidência que considero feliz para mim, a formação teológica da minha juventude e a fé que a consubstancia, na doutrina da ressurreição dos mortos, contribuiram, desisivamente, para a aceitação das teses propostas pelos especialistas da neurociencia e da genética. Falo em «teses propostas» e não em verdades definitivas, porque os homens da ciência, numa manifestação de honestidade intelectual que me comove, não se cansam de dizer que têm ainda muito mistério para desvendar. Chegam mesmo a propor que, desvendar o mistério da formação da nossa consciêcia humana, será a descoberta do «santo graal».
Por outras palavras e seguindo noutra direcção, os físicos teóricos pensam que chegar à formulação de uma «teoria de tudo» para o universo significaria «ler a mente de Deus». O génio de Einstein ficou a olhar para esta teoria global, vendo-a tão distante como a última das galáxias.
E agora digo eu: quem sabe não se trate tanto de descobrir uma realidade misteriosa, inexistente, mas de a construir? De facto, se pensarmos bem, só desta forma o futuro está garantido e faz sentido o dia de ontem e o de hoje. Era como dizer que o mundo não está a expandir-se mas a «criar-se».
Cá por mim, não quero que o Mário de amanhã seja o Mário de hoje. Queria tanto garantir um pouco da eternidade que hoje não sou!
E não é precisamente isso que os crentes esperam do «céu»? Não é isso que os crentes na reencarnação esperam das aventuras e desventuras dos sucessivos «ciclos de vidas»?
Eu sou bem comedido nas minhas ambições e só desejo em cada dia «criar-me um pouco mais».
Dir-me-ão: mas isso é "navegar à vista"!
Nem mais. "Navegar à vista até onde a inteligência alcança. E eu tenho alternativa?
Tenho, sim, a alternativa da fé, mas não preciso de ir por aí, simplesmente porque não estou desesperado da nossa humanidade...
Estranho, não é? Agora os crentes é que são uns desesperados da vida! Só faltava mais esta!
Porém, parando para pensar, quem é que projecta toda a esperança de realização plena -felicidade - num «outro mundo» que não este?
É o crente, é o crente.
Discussões à parte, seja lá quem for que esteja mais certo, nesse conhecimento que não chega a sê-lo, o que interessa mesmo é criar-nos e crescer como gente.Todos estamos de acordo na necessidade de alimentar tanto o corpo como o espirito, quer se pense que eles sejam mais unha e carne ou mais água e azeite.
Com o tempo, a verdade há-de vir ao de cima.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Não Sou Um Espirito. Mas Tenho Algum...

“Você não é um ser humano que está a passar por uma experiência espiritual”.
“Você é um ser espiritual que está a viver uma experiência humana.” (Wayne W. Dyer)

A verdade, Intrometido, é que eu sou aquilo que realmente sou, independentemente daquilo que eu possa pensar que sou. Porque , pensar por pensar, até podia pensar que sou o rei das Arábias, mas a verdade-verdadinha é que sou apenas o côdeas do Mário Neiva...
Falando sério e de forma fundamentada vou responder ao teu repto de me considerares um espírito lançado na aventura humana e não como uma aventura humana a desabrochar na espiritualização. Eu sei que parece tão absurdo, este segundo pensamento, como ver uma semente minúscula transformar-se numa árvore frondosa, onde até os passarinhos podem fazer os seus ninhos. Mas os factos aí estão, revelando que uma quase ridicula semente escondia potencialidades insuspeitas. Agora sabemos como isso acontece e o muito que ainda falta por descobrir.
E também este Mário que te interpela era, no "principio", uma quase invisível sementinha. E não me digas, Intrometido, que os meus progenitores não tiveram nada a ver com o sucedido...Felizmente para mim, ninguém pode dizer que sou filho de pai incógnito. Sou filho no corpo tanto quanto o sou no espírito. Sendo certo que cresci imenso desde que germinei no ventre de minha mãe. E aqui cheguei, para falar contigo, graças à fabulosa tecnologia bem "física" que o espírito humano inventou e não pelo virtuosismo de um espírito "livre" que para se comunicar dispensaria o tempo, o espaço e o simples esforço das minhas mãos.
01 Dezembro, 2010 20:41

(In aaacarmelitas)

domingo, 28 de novembro de 2010

Um Homem Dois destinos?

Da carta a um querido amigo padre e teólogo católico


…Desde que fui para Balugães (da Primavera até ao Outono) habituei-me a conviver com a realidade da morte, porque é raro o ano em que não participe em meia dúzia de funerais de gente da minha aldeia, quase sempre os mais velhos e exactamente aqueles que conheci na minha infância. Em Balugães há muitos reformados e todos acompanham as cerimónias fúnebres. Há solidariedade na morte, como, infelizmente, nunca existiu em vida. De facto, enquanto vivos, mesmo na família, é «cada um por si e Deus por todos». Chega a ser chocante o muro entre «irmãos na fé» e simples «concidadãos-conterrâneos», na laicidade da vida do dia-a-dia. De mil e uma maneiras muitos cristãos bem intencionados tentaram vencer este muro e erguer nas paróquias uma verdadeira fraternidade ou comunidade. Penso que o … tentou isso mesmo, aí na comunidade onde vive. E nunca se interrogou porque tais tentativas não vão longe? Eu tenho algumas ideias sobre o assunto. Avanço-lhe apenas este pensamento: os homens, todos, querem ser felizes (ressalvo as patologias ainda irremediáveis); só não sabem como lá chegar; e os caminhos assinalados pelos "pregadores" estão mais desacreditados que nunca, muito por força de uma ciência de investigação persistente que vai abrindo perspectivas nunca sonhadas. Já não se trata de um vago sonho de um céu no além nem da ilusão de que o podemos ter aqui e agora. Mas o sonho vai, cada vez mais, nesta direcção e, para o realizar, a validade da investigação científica começa a levar vantagem sobre a pregação de iluminados.
Ouço dizer (aos pregadores) que o caminho faz-se caminhando. Mas eu pergunto: saberão o que estão a dizer? Penso bem que não, porque estou cansado de os ver insistir num pensamento (platonismo, primeiro e cartesianismo, depois) que dividiu o homem em duas partes irreconciliáveis, duas substâncias autónomas: a «res extensa» (o corpo) e a «res cogitans» (a alma). Explicita ou implicitamente a "pregação" assenta neste pressuposto dualista. Ora, em algum momento da vida, as pessoas acabam por sentir, mais do que pensar, que algo não bate certo nas práticas da vida e, sobretudo, porque acabam por aperceber-se que vão morrer, uma a uma, sem resposta às perguntas mais fundamentais e a dizer, como a minha avó Ana Rosa «que “de lá” (do além) não vêm cartas».
Resta-lhes a nebulosa e o consolo da fé que vem com a pregação, porque a verdade da ciência estará sempre num futuro inatingível, enquanto indivíduos.
Mas voltemos às práticas, porque é nestas que se concretiza o caminho que se faz. Se aceitamos o pressuposto dualista de Platão ou Descartes, é lógico que teremos de desligar o destino do «homem corporal» do destino do «homem espiritual». E de pouco valeu, ao longo dos séculos, a belíssima fé da ressurreição cristã do homem como um todo, porque os crentes e a "teologia prática" fizeram tábua rasa desse ensinamento fundamental e chegaram ao cúmulo de introduzir a ideia de limbos e purgatórios que, por si mesmos, afirmam o dualismo do homem. Instalou-se, desse modo, a confusão, aliás muito proveitosa para a Igreja, que à custa de sufragar as almas encheu e enche os cofres. E, com isso, abjurou a sua verdadeira e antiga fé da morte e ressurreição do homem uno e integral.
Diga-me, como se pode estruturar uma comunidade (e fraterna!) quando nos propomos amar «almas» e não seres humanos, únicos e irrepetíveis, na sua unidade essencial «corpo-espirito» e com um mesmo destino final?
Simplesmente não pode e o que se faz é reduzir a extraordinária mensagem do AMOR à «caridadezinha» inconsequente. Quando se acode às necessidades corporais, tal é feito em função da alma. Tratar do corpo de alguém é apenas o pretexto para salvar-lhe a alma, com o inconfessado propósito de salvar a própria.
É por isso que vemos o cristão aceitar, tranquilamente, viver na abundância, ao lado da degradação humana. As casas de caridade que constrói, os hospitais que põe a funcionar, as diversas organizações humanitárias que levanta ou apoia parecem sempre "cheirar" a «esmola aos pobres e desgraçados». E eu pergunto se algum namorado ou namorada aceita ser "amado" por compaixão! E, no entanto, o cristianismo tem como mandamento primeiro o AMOR. E estava tudo tão certinho e perfeitamente compreendido, a ponto de, primitivamente, os cristãos partilharem tudo e entre todos. É claro que isto era demasiado exigente e a saída airosa foi inventar um homem diferente, o homem da «res extensa» (o corpo) e o homem da «res cogitans» (a alma). E só este último, era verdadeiramente digno de ser amado. E assim tornou-se tão fácil “amar” os pobrezinhos reduzidos a «almas».
Esqueceu-se que um homem sem pão é um homem com alma a prazo, tanto quanto um corpo a prazo. Um prazo curtíssimo se o pão não chegar amanhã. Mas persiste a desastrada ideia de que morre o corpo mas a alma sobrevive. E, deste modo, o cristão predispõe-se adiar, uma vez e outra e mais outra, o amor ou solidariedade ao verdadeiro homem uno e integral. No silêncio da oração, no templo e na casa dos crentes cuida-se da salvação da alma que o corpo é para os bichos da terra, no cemitério da paróquia.
Infelizmente, a sociedade cristã ocidental está estruturada sobre o dualismo do homem. A pregação cristã actual, e não só, assenta-lhe que nem uma luva e é o espelho da sua doutrina.
Os senhores pregadores nem fazem ideia (ou fazem?) do que se perde por terem posto de lado a velhinha fé na morte e ressurreição do homem integral.
Os avanços da neurociência, no sentido de demonstrar a unicidade do homem, são a luz ao fundo do túnel. Sem impáfia, antes com grande humildade, os neurocientistas reconhecem que não conseguem compreender como o universo, primeiro, e o nosso corpo, depois, geraram a nossa mente consciente, numa alma que parece ter vida própria e bastar-se a si própria. É um mistério que persiste e se adensa e desafia o homem. Porque, até ver, somos a consciência do universo que ascendeu, em grau único, ao pensamento consciente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Criação, a Consciência e o Tempo

Carta a um amigo

É difícil comentar um «quadro» tão esquemático de um pensamento ou realidade como aquele que me enviaste. Mas há um item que me chamou especialmente à atenção:

«Não há criação-Evolução-Novas vidas».

Vou-me habituando a refrear a língua para estas afirmações muito certinhas, fechadas e definitivas. Afinal, estamos a meio de uma caminhada que mais parece uma aventura, em que vamos deparando com novas surpresas ao virar da curva. E a grande e última das surpresas que começa a ganhar contornos nítidos é que, depois de um «processo evolutivo» resultante de automatismos físicos, biológicos e psíquicos, estamos a assistir à emergência de um «processo criativo». Neste claro movimento de transição entre os dois processos da nossa história os automatismos referidos não desaparecem, mas claramente começam a ser suplantados pela capacidade criativa do ser humano. Apetece dizer que automaticamente chegamos à criatividade, mercê de um poderoso meio posto à nossa disposição, ao fim de uns biliões de anos de automatismos: o cérebro. Ele próprio, o cérebro, uma fabulosa rede de automatismos, dispostos para criar a mente consciente, que se apresenta como a consciência do próprio universo e se identifica num espaço e num tempo sem limites, contemplando, atordoada, a «seta do tempo» que nos deixa baralhados com a noção de um passado onde já estivemos e de um futuro (seja ele qual for) onde vamos estar. Ontem e amanhã. Hoje, apenas para olhar as duas faces do tempo.
E porque nos confunde tanto a «seta do tempo»? Porque desde o despertar da consciência humana (um dia talvez se saiba exactamente há quantos anos) ficamos com a clara noção de que viemos de algum lado (ou estado) e vamos para algum outro sítio (ou estado). E, entre esses dois sítios (ou estados) do passado e do futuro, abrimos os olhos do pensamento consciente e "demo-nos conta" da situação paradoxal: venho de um passado onde não me recordo de alguma vez lá ter estado e vou para o um futuro que ainda nem sequer existe.
E não vale dizer que isto acontece apenas ao nível da «sensação» ou nível "psicológico". Porque o homem quando sente e quando pensa não o faz abstraindo de cada um dos átomos de que é feito e, muito menos, independentemente da sua organização criadora. Ora, são precisamente estes átomos, organizados para nos criar, o cordão umbilical que nos liga ao passado que fomos e ao futuro que seremos.
Eu sei que isto não ajuda nada a recompormo-nos da pancada que levamos ao acordar para a "consciência da situação" mas, pelo menos, obriga-nos a não perder o pé, levantar voo e viajar por mundos de fantasia.

Não há dúvidas que à economia de palavras que exibes no teu «quadro» eu respondi com um desperdício das mesmas, incompatível com os tempos de carestia que vivemos.
Um abraço
Mário

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

As «Ideias» de Descartes e os «Mapas» de Damásio

A propósito de alguém ter dito que, segundo Damásio, «Deus é uma maravilha de invenção do cérebro».

Conheço bem o que António Damásio escreve e não faço ideia onde ele possa ter escrito que o nosso cérebro inventou a maravilha que é Deus. Damásio é um cientista e considero-o intelectualmente muito honesto. Sabe distinguir o plano da investigação científica acerca da génese e funcionamento do cérebro, da manifestação de todas as suas capacidades, nomeadamente do pensamento discursivo. Não me consta que Damásio tenha afirmado onde quer que seja que o nosso cérebro inventou a árvore ou a lua ou Deus. Além de imaginar, inventar, pensar e criar, o nosso cérebro faz aquilo que é a base de todo o seu virtuosíssimo trabalho: fazer “mapas”, que mantém em permanente actualização (porque a vida não pára), de si próprio, de todo o «organismo» corporal e do meio ambiente com que interage, num processo ininterrupto. Ora, o que está no coração das pesquisas de Damásio, ao longo de trinta anos e três livros publicados, é a formação do cérebro e a sua interacção com toda a realidade interior ou exterior ao próprio cérebro.
Saber em que consiste a «realidade» em si mesma é já uma problemática situada para lá da sua neurociência.
Repito, e penso que estou a "ler" bem António Damásio, que este nunca poderia ter afirmado que o sol, uma árvore, ou o Deus da fé dos crentes são uma fantasia ou uma invenção do cérebro humano, exactamente como não é fantasia ou invenção do nosso cérebro uma mão com cinco dedos e dois olhos brilhantes no rosto de cada um de nós, não obstante o nosso maravilhoso cérebro ter executado um detalhadíssimo e invisível mapa para acompanhar bem de perto a sua preciosa actividade.
Estes «mapas» cerebrais aproximam-se daquilo a que os antigos filósofos chamaram «ideias». E já naquela altura o assunto deu a confusão que se conhece. Os neurocientistas, com os seus mapas cerebrais, alertam-nos para a capacidade do nosso cérebro de elaborar «projectos» a partir de um estudo prévio baseado em esquemas ou mapas. Mas esta capacidade não dispensa o «trabalho de trolha» de todo o organismo, que tem de mexer com a “dureza” dos materiais e considerar o espaço que eles ocupam.
Até nisto Damásio corrigiu o «Erro de Descartes», que pensava ser possível fazer mapas a partir de coisa nenhuma. A «res cogitans» (a sua alma pensante) bastava-se a si própria. A «Res Divina» (Deus) e a «Res extensa» (A Matéria) seriam, para Descartes, aquilo que a razão da alma determinasse que fossem. Do filósofo Descartes é que se pode dizer verdadeiramente que, no seu pensamento, Deus ou a lua ou as árvores são uma fantasia ou uma maravilhosa criação do cérebro.
Temos de ser compreensivos porque, no seu tempo, ainda não tinha sido descoberta a realidade “extensa” dos neurónios, dentro do espaço craniano...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Unidade do Homem

Não preciso de corrigir, Limabar, porque é isso mesmo. Eu debato-me com o paradoxo do ser humano uno e integral em toda a sua dimensão "fisica" e "espiritual”, aceitando-o em vez de o negar ou tentar disfarçar. Só por uma questão de metodologia eu falo em duas dimensões, porque não faz sentido falar da frondosa copa de uma árvore como se aquela fosse capaz da sua manifestação exuberante sem a fecundidade essencial da humilde e obscura raiz.
Compreendo que «isto é de doidos», mas a evidência da unidade no ser humano impõe-se cada vez mais de forma avassaladora e não adianta negar a morte. Não adianta fazer da morte um «tabu». Não adianta «fazer de conta» que é com os outros seres vivos mas não é connosco, só porque atingimos o patamar invejável do pensamento consciente. Não adianta tentar esconder o longo percurso desde a "matéria" e para além dela, até à espantosa "organização" da primeira molécula e da primeira célula viva que se auto replica ou auto reproduz. Não adianta negar a historicidade da vida, nostálgicos do belíssimo mito bíblico de Adão e Eva.
Nos aceleradores de partículas a ciência da física procura os constituintes «primeiros» da matéria. Nos laboratórios da ciência biológica procura determinar-se como destes se transitou para a vida.
Na mente dos homens da ciência não estará o pensamento da negação da morte mas a vontade indómita de saber como emergiu a vida que somos. E reproduzi-la.
E fazem-no sem cuidar da situação paradoxal em fundo: evoluir da "morte", no sentido da «não-vida», para a vida.
Paradoxal, de facto, até que fique demonstrado que há mais «potencial», organização e complexidade no seio dos átomos que no “produto final” das circunvoluções do cérebro humano, a nossa maravilhosa mente consciente. Se tal for demonstrado, acaba-se o paradoxo de ser a «não-vida» (a “morte”?) a criar a "vida" dando, aparentemente, razão às correntes espiritualistas, quando afirmam que o "espírito" cria a "matéria", invertendo os acontecimentos, segundo a ciência actual. Como se a chama da candeia estivesse na origem do óleo e do pavio e a copa da árvore se antecipasse às raízes que a sustentam.
Não fora a «seta do tempo», que nos impõe o passado, o presente e o futuro e tudo isso haveria de parecer naturalíssimo…
Mas abstrair do tempo e do espaço é entrar num mundo que não é o palco onde se desenrola o teatro da nossa vida. Tem um nome bem conhecido - eternidade – e, cá por mim, não tenho pressa nenhuma de lá chegar

Para Além da Consciência

Transferi da caixa de comentários e coloco em post o comentário do Limabar


Mario, acabo de ler este teu “post” e apercebo-me que, afinal, o meu ultimo comentário, no “post” anterior, encaixaria aqui tal qual. Do que até agora pude extrair quando te leio, ressaltam dois pontos básicos, sobre os quais pareces centralizar a tua argumentação. Falo do conceito de “o homem integral e uno” e na crença irredutível de “uma vida para além da morte”.
Se me engano, corrige-me!
Permite-me, no entanto, expor, ainda que sucintamente, o que a vivência da minha “longa” existência, gravou nos centros cerebrais onde a razão opera. (A minha evidentemente.)
1 – Quanto ao “o homem integral e uno”, estou de acordo com a fórmula, mas não com a sua justificação.
O homem, basicamente, é um animal, igual a tantos outros, engendrado pela força criadora da natureza, durante a evolução da vida através dos tempos. A consciência, a capacidade de pensar, foi o “milagre” que, pouco a pouco, através de séculos de transformações e enriquecimentos, o vestiu deste capote que hoje o cobre, tecido de aquisições múltiplas e multiformes, herança acumulada da vivência de milhares de milhões de seres humanos, que com as suas vidas efémeras e obscuras, nos transmitiram os genes da evolução biológica e a acumulação da aprendizagem da vida pessoal, herança essa que, a pouco e pouco, foi alimentando o imenso caudal de transformações e conhecimento, inscritos nos genes e memoria colectivos da raça humana.
O homem é constituído de dois blocos inseparáveis: o corpo físico, visível e palpável, e o “centro metafisico”, espírito, alma ou mente, segundo a ideologia preferida. O corpo físico é o depositário da herança genética da evolução animal, o “metafisico” é o centro de aquisição, armazenamento e gestão da aprendizagem e vivências sócio-culturais. Nenhuma destas duas partes básicas do homem pode ter vida independente. Quando uma delas cessa a actividade, a outra é incapaz de continuar sozinha. É, então que homem volta à sua origem, “integral e uno”, sem esperanças de retorno, porque entretanto a natureza seguiu, indiferente, o ciclo inelutável da vida e da morte.
2 – Quanto ao segundo ponto de “uma vida para além da morte” é um apêndice do primeiro. É a resultante de aquisições do “centro metafisico” orientadas pelo sentimento, insustentável para eu consciente, de um fim inconfessávelmente absoluto e irreversível. A fé é assim uma muleta que ampara o homem na sua caminhada pela a terra, mas não o pode socorrer noutras paragens. Crente ou não crente, quando a barreira da existência é ultrapassada, o ser humano volta, inteiro, ao seu estado original, esse lugar indefinido que a inteligência humana não suporta: a não existência.

Claro é só a minha convicção!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Para Além da Consciência...

(Comentário repescado do blog aaacarmelitas, que decidi colocar também na Laje Negra porque serve de continuação à mimha resposta - na caixa de comentários - ao leitor Limabar)

«O homem nasceu para ser livre e feliz, e a conquista dessa liberdade é mais importante que o pão de cada dia».(Mariano)

«Mais formoso que o Universo que nos rodeia é o que existe nos nossos corações». (Mariano)

O texto que o Mariano nos trouxe é cheio de eloquência mas, aqui e ali, expressa-se numa linguagem que se proporciona a muitos equívocos, como as frases que citei.

Começando pela primeira citação, a frase é de belo efeito literário mas carregadinha de inverdade. A liberdade nunca pode ser mais importante que o pão de cada dia porque, sem este, somos privados da raiz da própria liberdade, que é a sanidade "corporal", consagrada pelos nossos antepassados, de forma lapidar e sábia: «mente sã em corpo são». No fundo, aquela afirmação equivale a dizer que o nobilíssimo cérebro bem podia dispensar o verdadeiro carregador de pianos que é o coração. E já todos sabem o que vale um cérebro sem irrigação sanguínea.
O equívoco que pode estar escondido por detrás de tal asserção é pensar que a alma e as suas faculdades constituem uma entidade autónoma dentro do «espaço-corporal-material». Bem pode desfazer-se o homem-corpo em podridão ou cinza, que o espírito subsiste vivo e luminoso...
Como repeti vezes sem conta neste espaço, não é nem esta filosofia nem esta teologia que sustentam o dogma fundamental da ressurreição cristã, que assenta no pressuposto do homem integral e uno. O dualismo platónico ou cartesiano foi sempre a grande tentação derrotada. Um bem-haja sincero aos teólogos cristãos.

Quanto à segunda citação, claramente o autor parece ter perdido a noção das proporções e, mais uma vez, tal facto deriva da concepção dualista da vida. Nós somos uma «partícula» de um único universo e não um mundo dentro de outro mundo. A beleza impar que realmente irradia dos nossos "corações" é parte integrante do próprio universo. Por isso mesmo se chama «UNIVERSO». Logicamente estamos englobados na sua «universalidade».
Ai essa velha tentação de partir o homem em duas metades inconciliáveis e com destinos distintos(corpo-espirito)!
Outra coisa bem diferente, intrigante, pertinente, emocionante e verdadeiro quebra-cabeças para a biologia e a neurociência é a emergência do que parece ser o milagre da construção ou organização da mente humana, onde emerge claramente um «eu consciente», capaz de olhar para si próprio e para o UNIVERSO a que pertence, com a mesma facilidade com que olhamos a Terra a partir de uma nave espacial ou quando, numa noite de luar, ficamos fascinados a olhar a lua cheia no mês de Agosto.
O paradoxo que nos deixa estonteados é que nós fazemos isto tudo, sem fazer a mínima ideia de como chegamos até aqui e porque este «eu» fabuloso se desfaz como bola se sabão ou desaparece, em cinzas, no forno crematório.
Perante estes factos inelutáveis, quem pode recriminar o homem de hoje e de sempre por se refugiar no seio consolador da fé numa vida depois da morte, contra todas as evidências?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

De Fernando Pessoa

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
E o mito brilhante e mudo-
O corpo morto de Deus
Vivo e desnudo.

Este, que por aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo.
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre,
Em baixo a vida, metade
De nada, morre.

(Fernando Pessoa, poema Ulisses)

A Propósito de Palácios

(Comentário para um amigo)

Às vezes fico a pensar que quanto mais se esbate a crença na vida para além da vida mais se investe no sonho e na criação de um «paraíso» na terra. E sou levado também a pensar que a crença na vida depois da morte já só move os mais fanatizados. O comum dos crentes respeita profundamente as tradições e professa as crenças ancestrais, mas na hora da verdade vem perguntar, com toda a sinceridade da alma, «como é do outro lado?» Porque, entretanto, se impusera a evidência que instalara a dúvida: «de lá não vêm cartas».
É certo que muitos crentes mandaram erguer maravilhas arquitetónicas, tentando comprar um lugar no paraíso do além. Mas era bem terreno o amor à beleza esculpida, pintada ou musicada. E para quê um mausoléu sumptuoso, se de tudo isto não haveria de restar pedra sobre pedra? Parece mesmo que nunca foram convencidos. Não é por acaso que a explosão artística da antiga Grécia cresceu no contexto da ridicularização dos deuses tradicionais. E os artistas esculpiam-nos a seu bel-prazer e descreviam-lhes a alma conforme os sentimentos e emoções humanos. Sem dó nem piedade. Os artistas demoliram as divindades. No mínimo, reduziram-nas à vulgaridade.
Nunca, como hoje, se investiu tanto numa vida para ser vivida cá, na sua totalidade. A fé não é combatida pela ciência. A ciência investiga e faz o seu caminho «apesar da fé». Nem se dá ao trabalho de a discutir. A prova da existência de vida noutros «sistemas solares» (que são incontáveis) iria estoirar com a cristologia cristã. E os cientistas prosseguem a sua pesquisa sem ligar a mínima. Como os cristãos se estiveram borrifando para a proibição dos anticoncepcionais, do divórcio, do casamento gay, da investigação genética etc.
Atrevia-me as dizer que se as riquezas são mal distribuídas isso fica a dever-se, em boa parte, a uma desgraçada pregação de que estamos aqui de passagem e a nossa verdadeira casa é «no outro lado». Até parece que era mesmo isso que queriam ouvir os «senhores do dinheiro».
A fé foi amplamente utilizada para amordaçar a «revolta» dos esfomeados e injustiçados.
Tudo isto por causa do palácio italiano que te enviei em vídeo...

sábado, 13 de novembro de 2010

O Silêncio Fecundo

O silêncio é fecundo hoje, como já foi ontem e desde que o homem atingiu a elevação do pensamento consciente. Do alto, olhou o presente, o passado e o futuro possível ou projectado. Apesar do ruído, que foi ensurdecedor em todas as épocas, assumindo sempre formas de expressão diferentes, desde os electrizantes batuques da savana africana até ao ruído infernal das arenas em combates de morte, o homem sempre soube encontrar os seus tempos de recolhimento. Chego a ficar comovido quando penso nas dezenas ou centenas de milhares de investigadores dedicados e que respeitam apenas o horário da sua paixão pelo conhecimento, ano após ano, nos mais diversos ramos da pesquisa cientifica ou meditação filosófica. Se não estivermos atentos, este mundo maravilhoso passa-nos tão despercebido quanto o génio do nosso Camões foi ignorado pelos seus contemporâneos.
O estardalhaço dos foguetes ou da música pimba não são mais que o ruído normal provocado pelos nossos passos, enquanto avançamos no caminho íngreme e pedregoso de um futuro que vamos sonhando.
Se o Intrometido pode falar do escândalo da sua alma quieta, eu venho aqui, uma vez e outra, com o escândalo de uma alma inquieta, mas, estranha e paradoxalmente, em paz com a vida que amo e me amou primeiro.

( publicado em aaacarmelitas)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Carta a um Amigo

«A história não se refaz, mas repete-se noutras condições...» Dizes.

Como tenho em mente a história de um universo progressivo (em expansão) e a história da vida em processo evolutivo, não direi que o futuro é o passado (« a história repete-se») mas uma novíssima realidade, algo muito próximo de uma verdadeira criação. Sei que este pensamento é o inverso daquilo que seríamos, em lógica, levados a pensar, que é considerar o acto absoluto da criação no «princípio dos tempos» e não a apontar para o «fim dos tempos». Mas, de facto, a mim afigura-se-me que nós e o universo procedemos de coisa nenhuma e somos um puro processo em curso, sem vislumbre de um verdadeiro principio nem tão pouco de um fim à vista. Porque, em rigor, não pode ter principio o que ainda nem realidade é -o futuro - nem tão pouco podemos antecipar o que há-de ser -o futuro, novamente. Em verdade só o presente «é» em plenitude, enquanto «histórico» do passado e embrião do futuro.
O que complica tudo e provoca esta confusão toda é a nossa humana capacidade de, mentalmente, recuar ou avançar no tempo, sem sair do espaço e do tempo que somos no presente. Somos como que um elástico que se estica em todas as direcções e que acaba por regressar e encolher-se no ponto de partida, depois do esticão exploratório. Não admira nada que, face a tamanha «elasticidade» do pensamento consciente, Descartes, na esteira de tantos outros, tenha considerado a dualidade intrínseca do homem como um facto. Para ele a «res extensa» (o corpo) nada tem a ver com «res cogitans» (a alma e as suas faculdades). A tentaçao é grande para aceitar a dicotomia, pela evidencia do poder da mente a contrastar com a fragilidade de um corpo que parece não ser mais que o habitáculo temporário da alma. O avanço da ciência, porém, vai no claro sentido de que é o "frágil" corpo que está na génese da alma e não o inverso. Ambos formam uma unidade indissociável e essencial.
Para a nossa compreensão da realidade, diga-se em abono da verdade, a situação fica ainda mais complicada ou misteriosa.
Neste contexto, a mente humana surge como o patamar mais avançado da história da vida. E falta saber se não será também o prodígio maior de um universo evolutivo, que se organizou num corpo capaz de gerar o pensamento consciente.
Muito honestamente, penso que é cagança a mais pensar o homem como a «consciência do universo».
Mesmo assim, apetece-me acabar este email como tu fizeste num outro que me enviaste: «Eppur si muove»

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Só Temos uma Oportunidade

De luto familiar pela morte de um cunhado meu, aos 73 anos de idade, tempo de vida do qual já se vai dizendo que não é idade para morrer, aproveito para reflectir convosco sobre o único espaço e tempo que nos é dado para viver.
Único, porque não teremos uma segunda chance, para corrigir, aperfeiçoar, em suma, crescer mais. Joga-se tudo na viagem a termo certo, ainda que indeterminado no tempo.
Porém, nem todos pensam que é a única oportunidade. Recordo, a propósito, o «Mito do Destino», de Platão, onde o soldado Er morre no campo de batalha e ressurge dez anos depois, para retomar o fio da vida em segunda oportunidade, admoestando os vivos para que se entreguem à sabedoria.
E retomo a comparação com a ressurreição cristã. Segundo a fé dos cristãos não há segunda oportunidade. A "construção" da morada de cada um para a eternidade é definitiva, na hora da morte: a salvação ou a danação, determinada pelas acções e pela fé.
É uma perspectiva arrasadora, para quem acredita numa vida depois da morte, sabendo-se que, por um deslize da fraca condição humana, podemos perder-nos para sempre no caminho.
Os estudiosos de S.Paulo não chegaram a um acordo sobre o destino exacto dos que não se salvam pela fé. Se é certo que os que morrem na fé ressurgem transformados para uma nova vida, num «corpo» espiritual, no entanto S.Paulo não deixou claro o que é feito dos que se perderam. Não ressuscitam e nem se transformam? Perdem-se no «nada», sem o sustentáculo de TUDO que é o Pai?
Quanto a mim, penso que a bondade de S.Paulo não aceita que o Pai crie um inferno eterno para os filhos perdidos, antes os deixa para sempre no sono da morte, nem os ressuscitando nem os transformando. Não terão a alegria do convívio paternal mas também não arderão num fogo de tortura eterna. Quem poderia ser feliz perante o espectáculo do inferno de tantos?!
Até este, temporário, quase-inteiro-inferno em que vivemos nos horroriza...
Sempre disse que a perspectiva daqueles que acreditam na reencarnação é mais atraente e parece muito mais lógica. Perante a nossa desgraçada condição humana, acreditar que temos uma e outra e outra oportunidade para crescer em sabedoria e verdade é bem mais motivador.
Seja como for, e de facto não sabemos como é, cada um aproveite a oportunidade que tem na mão porque, nesta situação como em nenhuma outra, mais vale um pássaro na mão que dois a voar, como diz a profunda sapiência popular. Sendo certo que, se perdermos a oportunidade presente, já perdemos ou tudo ou muito. Mas perdemos sempre

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Desregular" para Harmonizar

“Desregular” para Harmonizar


De facto «eles» já não comem tudo. Pelo menos já não nos comem as papas em cima da cabeça, como diz o ditado.
A consciência cívica, em crescendo, veio para ficar e as reivindicações das pessoas, também elas em crescendo, aí estão para o confirmar. Depois de uma vida mais longa, reivindica-se uma velhice de qualidade; como depois da democracia, se reivindica uma democracia mais aprofundada. Subindo um degrau na escala do crescimento, aspira-se a subir o degrau seguinte.
Isto assusta os que estão bem ou razoavelmente bem instalados (os tais que «comem tudo e não deixam nada»), talvez com medo que o bolo não chegue para todos. O bolo da oportunidade da formação, da excelência da saúde, do bem-estar, da felicidade.
Curioso é que, não raro, vamos encontrar do mesmo lado da trincheira os tais que querem «comer tudo» e os que falam do homem como ser único e irrepetível.
Onde é que está a dissonância?
Acontece que os defensores de um humanismo radical, e ainda bem que o são, esquecem, frequentemente, por conveniência ou outro motivo qualquer, que todos os seres humanos, e não só «eles» ou uma certa elite, são de facto únicos e irrepetíveis e, como tal, credores da mais alta distinção. E isso vem a lume, às vezes de forma brutal, quando a sociedade é confrontada e tem de pronunciar-se sobre as chamadas «realidades fracturantes». Entre nós, o exemplo mais recente foi a discussão em torno do casamento entre homossexuais.
Não adianta remar contra a maré, porque os sinais dos tempos são bem claros no prenúncio de um Homem Novo que começa a fazer impor, em todos os domínios e por todo o lado, a sua nobilíssima condição de ser único e irrepetível, porque dela está cada vez mais consciente.

Únicos e irrepetíveis pela biologia, pela psique e pela consciência que vão construindo.

Este autêntico "despertar dos mágicos" está a provocar verdadeiras convulsões nas sociedades ditas tradicionais. A mulher ocupa o lugar a que tem direito, como o homem já teve direito, num passado mais distante, a reivindicar a liberdade (ainda não há muitas décadas era legal a escravatura entre os mais «civilizados» povos e o racismo era letra de lei); as crianças e os idosos ganharam direito de cidadania; os casais ganharam direito ao divórcio, em casamentos falhados ou perversos que não respeitem a dignidade dos esposos; os deficientes lutam pelos seus espaços; a orientação sexual de cada um vai conseguindo respeito e direitos para a sua diferença; as opções religiosas e filosóficas são respeitadas e propostas como um direito inalienável de cada pessoa humana...
O mundo clama, neste preciso momento, pela libertação do chinês Nobel da Paz 2010 e da Iraniana (adúltera, diz o Corão) condenada à lapidação. Sinal dos novos tempos.
Hoje, como nunca, as pessoas exigem ser respeitadas no interior das instituições em que o homem se organiza para viver em sociedade. E as fronteiras cavadas entre as nações já não são obstáculo ao apelo para a dignificação da pessoa humana.
Em lugar da uniformização de todos pela lei, começa a emergir a harmonização entre todos, pelo respeito de cada pessoa na sua especificidade. Até já se fala no projecto dos fármacos personalizados.
Num mundo cada vez mais globalizado e de produção em série, este assomo de dignidade individual funciona como precioso e poderoso antídoto, apesar de provocar um tremendo sobressalto nas mentes «conservadoras», porque «desregula» o que sempre foi considerado «lei divina» ou «lei natural» e, como tal, intocáveis. A dignidade para todos e cada um está para além desses padrões sagrados e intocáveis. Sagrado mesmo, só a pessoa consciente e única.
E neste sentido já se ouve, um pouco por todo o lado, aquilo que nunca deveria ter sido deixado de proclamar, e que há muitos séculos foi evangelizado: o “sábado” foi feito para o homem e não o homem para o “sábado”. Modernamente diz-se: PRIMEIRO ESTÃO AS PESSOAS. E agora, cientificamente, acrescenta-se: cada uma delas ÚNICA E IRREPETIVEL.
Lá se foi, de vez, o «sangue azul» para o galheiro, mais a «raça», o «sexo forte» e outras tralhas dos profetas da sub-condição humana...dos outros!
E aqui ocorre-me recordar outra das maravilhas do pensamento cristão: «A lei mata e o espírito dá a vida».
A uniformização pela lei postula, por assim dizer, a irresponsabilização do indivíduo face ao seu destino. E, desse modo, mata mesmo, reduzindo o homem a um autómato sem futuro, que responde perante uma lei e não perante a consciência da sua dignidade e da dignidade dos outros.
Seria tão fácil, em teoria, criar uma sociedade de autómatos, impondo leis rígidas e universais, a que todos e cada um se sujeitassem. Mas o desafio que temos pela frente é infinitamente mais aliciante, que é fazer emergir a pessoa humana em todo o esplendor das suas capacidades. Que é o mesmo que dizer, criar uma sociedade baseada na harmonia de muitos (sons e pessoas) em vez de uma sociedade projectada para a fusão de todos num monstruoso grito monocórdico, resultante de uma “regulação” até ao absurdo.
Os cristãos acreditam numa Divindade plural (Trindade, dizem eles) e pensam uma sociedade à sua imagem e semelhança. Acompanho-os apenas até às portas do céu da sua fé porque, para me fazer sonhar com o infinito, já me basta o universo como ele é e o mundo que nós somos.


(publicado, hoje, in aaacarmelitas)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Da Solidão e da Liberdade

Da Solidão e da Liberdade

É frequente ouvir-se que a solidão é um subproduto do «progresso». Parece-me ver, por detrás deste pensamento, a nostalgia do passado e o receio da «novidade». Pior ainda, pretende-se, talvez, fazer crer que «antigamente» havia menos solidão e, como em todo o pensamento “conservador”, propõe-se o regresso ao passado, para reencontrar, outra vez e sempre, o «paraíso perdido». Uma certa psicologia “apressada” e imediatista interpreta este fascínio pelo passado como o desejo íntimo e oculto do regresso à protecção e aconchego da nossa vida intra-uterina.Pode ser, mas não é tudo.
É tão fácil «perder o pé» quando pensamos ter compreendido a complexidade e riqueza da floresta, lançando um simples olhar pela copa das suas árvores.
Segundo penso, a solidão é o resultado da crescente consciencialização do homem. É, por assim dizer, uma das muitas pesadas e abençoadas facturas que temos de pagar pelo grau de evolução que atingimos, traduzida na complexidade assombrosa do nosso cérebro, que nos proporciona uma vida consciente em grau único entre os seres vivos. Eu falei em «factura pesada e abençoada», porque esta dádiva ambivalente traz-nos a alegria e a tristeza, o sofrimento e o prazer, o sentimento de liberdade e de dependência, o sonho e o desencanto, a fé e a descrença. E, sobretudo, dá-nos a noção sentida da vida e da morte.
Como se todos estes sentimentos e pensamentos fossem coisa pouca, bem no fim das nossas aventuras e desventuras emerge a solidão, um sentimento que se nos afigura insuperável e nos deixa face a face com o universo. Literalmente. Quase me apetece dizer: felizes os que não atingiram este grau de consciência e permanecem no limbo de uma semi-consciência, deixando-se conduzir pelos automatismos biológicos e psíquicos.
Apetece-me, mas não digo, porque nada é mais exaltante que o sentimento de liberdade que tal consciência desperta em nós. Seria condescender com a regressão evolutiva, numa clara “desfeita” ao brilhantismo da nossa mente. Aceito a novíssima realidade, mesmo quando isso significa ter de caminhar para a morte de “olhos abertos”.
Mais consciente ou menos conscientemente é quando se atinge este patamar que se começa a sofrer a solidão. De novo a dupla face da moeda da vida: exaltação pela “descoberta” e sofrimento por nos sentirmos sozinhos, únicos e irrepetíveis.
Liberdade e solidão, dois sentimentos entrelaçados, que são a nossa marca distintiva.
Eu concluo que, se a solidão está a flagelar, como nunca, a nossa sociedade, isso significará um progresso na consciencialização e, consequentemente, uma humanização crescente da sociedade.
É claro que fica mais um problema para resolver, como se não bastassem a fome, a doença, a violência dos elementos da natureza, o medo do desconhecido, a incerteza do futuro e a própria morte.

Morrer já é muito duro. Morrer só, deve ser sofrimento supremo.

Dar-nos conta de que o problema existe e é grave e profundo, poderá ser o primeiro passo para a sua resolução.
Por mais inacreditável que possa parecer, temos bem à mão um poderoso lenitivo, senão a cura definitiva da solidão: o amor. Na verdade, só a morte é que não tem remédio. Aguardá-la com o coração aconchegadinho no regaço do nosso amor faz-nos perceber que quem vai continuar a sofrer são os que ficam...
É quando a saudade se faz parte da nossa vida e quando pouco mais podemos fazer e dizer que Camões:

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A Vida Consciente

Já encomendei o livro de António Damásio, «O Livro da Consciência», escrito originalmente em inglês e com o título bem mais sugestivo, conforme afirmou o próprio, numa entrevista televisiva, «Self Comes to Mind».
Quem já leu diz que, nesta obra, António Damásio continua a desmistificar a ideia de que a consciência é algo separado do corpo e apresenta novas evidencias cientificas de que a consciência é, na verdade, resultado de um processo biológico criado pelo cérebro. Há, porém, que ter muito cuidado com afirmações “redondas” como esta. Acabei de ouvir da boca do próprio António Damásio (na referida entrevista) que a consciência é «um processo» individualizado. Não existe modelo para ser copiado por cada um de nós e é cada um de nós que constrói a sua consciência, como quem faz uma partitura de uma sinfonia. Esta ideia de António Damásio vem ao encontro de uma outra já mil vezes anunciada de que, na nossa individualidade, somos únicos e irrepetíveis.
Da mesma entrevista retive que Damásio vê pela frente um longo caminho a percorrer antes de compreendermos os mistérios que continuam a envolver a emergência do prodígio que é o nosso cérebro e a consciência que ele possibilita. E cita, a propósito, o autor desta afirmação: «O que não consigo construir não consigo compreender»

Para mim a consciência é dos temas que mais me fascinam, porque é por ela que transcendemos o tempo e o espaço. «Transcendemos» no sentido que Damásio dá a este termo, como capacidade de olhar, consciente e criticamente, o passado e planear o futuro.
Há dias, eu escrevia a um amigo que, no dia em que o homem conseguir construir um ser vivo e consciente («à nossa maneira») nesse dia estamos a criar a intemporalidade, porque o que nos falta é um «suporte físico» que transcenda (no sentido de Damásio) o tempo e o espaço de uma vida. Com efeito, na situação presente, a mente «vai» para trás ou para a frente, mas a estrutura cerebral que possibilita a viagem não está equipada para a acompanhar e queda-se, exausta, ao fim de umas dezenas de anos, num espaço limitado. É o muro intransponível da morte individual. Intransponível, mas cada vez mais empurrado em direcção ao futuro.
Não vale dizer que a consciência humana existe como realidade universal, independente do individuo, porque a sua existência provem do individuo e não o contrário, como pretendem fazer crer as filosofias da Nova Era, repetindo, no fundo, o platonismo e o cartesianismo, quando afirmam que «não é o nosso cérebro que cria a nossa mente, mas a mente que cria o nosso cérebro». Por ser precisamente ao contrário é que nos perdemos no abismo da morte, ainda sem solução. E não restam dúvidas que, se morressem todos os indivíduos conscientes, desaparecia a consciência da face da terra.
Outra coisa é dizer «enquanto há vida, há esperança» ou enquanto há consciência há esperança. Mesmo que não seja mais que a fé dos crentes ou ficção científica.
Entretanto, há que meter os pés ao caminho, como faz António Damásio no silêncio dos laboratórios e na partilha que faz dos resultados do seu trabalho, com esta publicação.
E aqui chegados, há uma outra consideração que tem de ser feita. A alegria, o amor e a arte constituíram-se como verdadeira paixão do homem consciente, pelo que a construção da «imortalidade» tem que estruturar-se na base dessa paixão. Pessoalmente, não me seduz uma imortalidade desgraçada, solitária e feia. Ainda que, mesmo assim, seja melhor que nada…

domingo, 26 de setembro de 2010

O Tempo das Fadas

(Texto que publiquei no blog aaacarmelitas)

Repesco o último parágrafo do texto sobre as crianças índigo, que o Intruso nos trouxe:

«Portanto, quando o meu filho faz as suas coisas, ele ensinou a todos uma lição silenciosa, incluindo a mim mesmo. Eles vivem de forma intensa e têm um sentimento de "desejar estar aqui" e ficam surpreendidos quando os outros não compartilham isso».

Todos sabemos, por experiência própria, que a infância é vivida como se estivéssemos a pairar sobre as nuvens, a não ser que uma dura realidade ou até o infortúnio obrigue a um precoce e terrível despertar, que leve a sentir, “logo à nascença”, a dureza do chão que se trilha. Se isto acontece, costuma dizer-se, com justeza, que nos tornamos adultos antes do tempo.
Uma infância normal, despreocupada, deixa a criança imersa no seu mundo encantado, onde o Pai Natal é tão verdadeiro como o avô. E já todos vimos imagens de crianças, em cenários de catástrofe, tão alheadas da tragédia à sua volta, quanto o cachorrinho da família. É a «inconsciência» dos pequeninos que, indiferentes ao que sucede em seu redor, deixam-se levar pelo espontâneo impulso vital.

Não se tratando de uma simples metáfora, o texto do Intruso fala-nos da vida das crianças como uma «lição silenciosa» e que nós, deduzo eu, devemos reter. E se assim é, o autor, seja ele quem for, parece não considerar esta fase da vida de um ser humano como uma etapa transitória, fazendo passar a ideia de que o ideal seria regredir até ao sentimento infantil deleitoso, espontâneo, despreocupado e desligado do turbilhão da realidade.
Posso estar enganado, mas penso que apontar o regresso à muito ténue consciência da nossa infância é apontar o caminho do alheamento da dura realidade de um crescimento em sofrimento. É fazer cair no engano adultos que se irão dedicar a uma ascese para reencontrar a «paz perdida», como se a feliz "inconsciência" da nossa infância fosse o clímax da existência e da realização individual. Nesse caso, para quê crescer? Para quê ir mais além da infância da vida?
O que nos torna diferentes dos outros seres vivos e nos confere a grandeza de espírito é a experiência e a consciência de uma dolorosa caminhada, as mesmíssimas experiência e consciência que desfazem o encantamento dos primeiros anos da vida. Não será, por certo e apenas, uma experiência restringida à minha individualidade, mas uma verdadeira, abrangente e aguda consciência de ser quem somos e como somos enquanto humanidade.
Qualquer programa de ascese que se idealize terá de aceitar a naturalíssima realidade evolutiva e olhar a nossa vida como um «continuum» de aperfeiçoamento e não de degradação. Mas a perspectiva que nos traz o texto do Intruso parece ser no sentido inverso e um apelo a que nos fixemos na “maravilhosa infância”. Ingénua infância, direi eu.
O adulto também poderá afirmar «desejo estar aqui», mas perfeitamente consciente do caminho percorrido desde os primeiros passos e do novo patamar a que chegou. E tal afirmação será a prova da sua maturidade.
Um olhar reiteradamente nostálgico sobre o passado poderá indiciar a frustração pela vida presente e revelar que muita coisa, em nós, terá de ser revista. E o “remédio” não será a fuga da realidade que eu, talvez injustamente, entendo que está na base da doutrina dos pregadores da Nova Era, como já estava na filosofia budista. Uns e outros sonham com o retorno a um «paraíso perdido» ou com a imersão na «energia cósmica», pondo termo ao degredo que é a vida presente. Degredo ou compasso de espera para outra realidade. Como se pudéssemos considerar um «compasso de espera», o tempo que os construtores consomem na criação de uma catedral!

Existe um pensamento alternativo, bem mais aliciante: não há regresso ao que «antes eramos», porque ninguém era coisa nenhuma. Cada um será o que fizer de si próprio «aqui e agora». Não há predestinação para o sucesso ou insucesso (perdição ou salvação). Não há retorno à vida ou ao passado, para recomeçar, numa nova oportunidade.
E é também a perspectiva do cristianismo que vê a ressurreição do homem e do universo (ambos serão transformados) como a perfeição definitiva e não recomeço de mais um ciclo de vida (reincarnação).
Na teologia cristã não existem dois mundos em paralelo porque, pela morte e ressurreição, «este mundo» se transforma num «outro mundo», que até à ressurreição existe apenas potenciado no próprio acto da Criação e, consequentemente, nos actos dos homens, tornados responsáveis pelo seu destino.
É um osso bem duro de roer, esta doutrina. Senão vejamos: no plano individual, a morte de cada um deveria ser o momento da ressurreição-transformação. E se esta ressurreição é o culminar da caminhada e da perfeição do homem, como pode isso ser verdade se, ao morrer, todos ficam bem longe de tal perfeição? Talvez o problema se resolva no caminho do purgatório. Mas, admitindo o purgatório, está a admitir-se um mundo paralelo, habitado por seres desincarnados: as almas. É uma saída airosa e engenhosa, mas contradiz e nega um dos dogmas fundamentais que é a ressurreição cristã do homem integral, corpo-espirito.
Não há como evitar: o crente vive da fé.

Mas que é tudo isto tem a ver com o tema das crianças? Muito. O destino do homem é crescer a vida inteira em busca de uma perfeição com que, manifestamente, não nasceu. E morre sem lá chegar, o que nos faz sentir que somos uma obra sempre inacabada.
Desconfortável? Sem dúvida, mas parafraseando o professor Agostinho da Silva, no dia em que alguém pensar que tem a solução para todos os problemas, nesse dia «fecha as portas do futuro» e «abre as da inquisição»…

sábado, 25 de setembro de 2010

A Realidade Das Fantasias

Foram colocados vídeos no YOUTUBE com as entrtevistas ao professor e filósofo Agostinho da Silva (quem não se lembra deste velhinho de barba grisalha, mal vestido, desdentado e que viveu grande parte da sua vida no Brasil, onde era mais conhecido que em Portugal...). Quando perguntado, numa dessas entrevistas, como é que nós poderíamos falar em liberdade do homem se a ciência genética demonstra que nascemos tremendamente condicionados, respondeu mais ou menos assim: o nosso destino não é traçado no momento em que nascemos nem a nossa liberdade deve ser referida a esse tão próximo acontecimento; teremos de pensar o nosso destino e a nossa liberdade, lá bem no ponto onde tudo começou; e aí, à distancia do infinito, destino e liberdade se confundem...
O que ele quis dizer é que nós somos bem mais do que aquilo que conseguimos saber sobre nós próprios. Muito mais. Infinitamente mais.
Àquilo que chamamos «liberdade e destino» ele considera que são «fantasias nossas», empurrando-as para o mundo dos contrafactuais.
Pode ser. Mas a verdade é que vamos construindo uma vida e um «mundo-nosso» com essas fantasias de liberdade e destino. Até estabelecemos uma norma, mais que todas livre e cada vez mais o nosso fado: é proibido proibir. Não é proibido sonhar que havemos de colocar um pé nas estrelas, ainda que sejam apenas os átomos desse pé. E a verdade é que ao iniciar tal viagem sentimos que é como que um regresso a casa. Só não entendo, e isso me intriga mais que tudo, como é que iniciamos essa viagem inconscientes e agora queremos regressar de olhos bem abertos, em pensamento consciente.
Como se não bastasse o primordial enigma de ser, ainda surge este de saber porque somos como somos- conscientes.
Como dizia, ontem, o Luís na caixa dos comentários aí para trás, talvez António Damásio ajude alguma coisa com a sua obra mais recente «O Livro Da Consciência».

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Poema de Manuel Leão (2010)

Enviado pelo meu amigo e antigo condiscipulo A.Sampaio

Centenário da República

A Revolta Francesa bem ensina
Igualdade fraterna e Liberdade;
duzentos e vinte e um anos de idade
não chegam p’ra cumprir o que se assina.

Mas Maria minhota, Fonte dita,
nessa então conturbada sociedade,
aos Cabrais lhes impõe mais Igualdade
e estes, por incapazes, se demitem.

As Repúblicas são a panaceia
e, em cada centenário, desenganos
inda em curso na Europa financeira,

porque nos é vedado fazer planos
nesta democracia interesseira,
onde a Fé e os Valores são enganos.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Stephen Hawking, o Universo e Deus.

Depois de, mais ou menos explicitamente, Hawking ter afirmado, no seu livro «A Breve História do Tempo», que o universo não se podia explicar a si próprio, vem agora emendar a mão, na recente publicação «O Grande Desígnio». Resumindo o pensamento de Hawking, o nosso universo que ele antes considerava «insuficiente» e inexplicável em si mesmo, no actual «Grande Desígnio» já fala de um universo «auto-suficiente» e que se explica por si próprio. Já não é necessária uma «entidade» exterior e transcendente ao universo para o fazer surgir, porque contem em si mesmo a capacidade e a dinamica para se autocriar.
Não me consta que tenha provocado grande burburinho entre os crentes esta ideia de que, afinal, Deus não criou o universo. Os teólogos não se preocuparam muito com a teoria de Hawking. Sinal dos tempos. De facto, para um teólogo, o que se diz no «grande Desígnio» acerca da criação do universo não é diferente daquilo que antes se disse acerca dos raios e trovões. A ciência não precisa de uma intervenção divina e uma explicação transcendente para o fenómeno das trovoadas. Como também deixou de precisar da invisível mão divina para explicar as orbitras dos corpos celestes do nosso sistema solar, porque as leis da gravitação descobertas por Newton explicam perfeitamente a realidade.
Hoje, Hawking socorre-se das leis da física quântica para explicar um «Big Bang» que fez surgir o nosso universo. Digamos que as leis da gravitação dispensaram a mão de Deus que fazia mover de forma tão exacta os corpos celestes e as leis da física quântica dispensaram Deus do fenómeno do Big Bang.
Só isso.
Pode-se perguntar o que existia «antes» do Big Bang. Pergunta errada, diz a física quântica, porque a dimensão espaço-tempo é uma «componente» do próprio universo e não uma realidade exterior ao universo.
Mas o homem com a sua inteligência não está proibido de fazer as perguntas que quiser, para além da física de Newton, de Einstein ou dos teóricos da física quântica. Poderá perguntar, por exemplo,que «potencialidades» estarão subjacentes ao Big Bang? Disse «potencialidades porque, como faz Stephen Hawking, havemos de chamar «vazio quântico» ao que poderíamos considerar, positivamente, como uma realidade potencial? E não estaríamos, ainda, a postular a transcendencia.Mas convenhamos que ficaríamos muito perto de o fazer.
Seja como for, acabamos sempre pendurados: a física num indefinido «vazio quântico» e os crentes numa fé «sem razão», mas divinamente consoladora.
Avisadamente, a teologia cristã propõe a fé não como uma conquista da inteligencia humana mas como um «dom de Deus». Infelizmente, crentes em geral e sacerdotes ignorantes da fé que pregam pretendem provar por A+B a existência de Deus. O não crente deve sentir-se incomodado por ficar dependente do «vazio quântico» como ponto de partida para o Big Bang; e o crente parece não aguentar a prova de fogo de uma fé «sem razão» e cai com facilidade no mais feroz fanatismo teísta, imaginando que a sua razão deduziu a Divindade. Numa clara inversão de papéis, tal crente criou Deus...

Nota final. Tive o cuidado de colocar entre aspas a expressão «sem razão», quando me referi à fé dos cristãos, porque não pretendo dizer que a fé é irracional. Os irracionais não acreditam nem em Deus nem em coisa nenhuma. Enfim, «Sem razão», porque a existência é um mistério insondável.