sábado, 13 de novembro de 2010

O Silêncio Fecundo

O silêncio é fecundo hoje, como já foi ontem e desde que o homem atingiu a elevação do pensamento consciente. Do alto, olhou o presente, o passado e o futuro possível ou projectado. Apesar do ruído, que foi ensurdecedor em todas as épocas, assumindo sempre formas de expressão diferentes, desde os electrizantes batuques da savana africana até ao ruído infernal das arenas em combates de morte, o homem sempre soube encontrar os seus tempos de recolhimento. Chego a ficar comovido quando penso nas dezenas ou centenas de milhares de investigadores dedicados e que respeitam apenas o horário da sua paixão pelo conhecimento, ano após ano, nos mais diversos ramos da pesquisa cientifica ou meditação filosófica. Se não estivermos atentos, este mundo maravilhoso passa-nos tão despercebido quanto o génio do nosso Camões foi ignorado pelos seus contemporâneos.
O estardalhaço dos foguetes ou da música pimba não são mais que o ruído normal provocado pelos nossos passos, enquanto avançamos no caminho íngreme e pedregoso de um futuro que vamos sonhando.
Se o Intrometido pode falar do escândalo da sua alma quieta, eu venho aqui, uma vez e outra, com o escândalo de uma alma inquieta, mas, estranha e paradoxalmente, em paz com a vida que amo e me amou primeiro.

( publicado em aaacarmelitas)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Carta a um Amigo

«A história não se refaz, mas repete-se noutras condições...» Dizes.

Como tenho em mente a história de um universo progressivo (em expansão) e a história da vida em processo evolutivo, não direi que o futuro é o passado (« a história repete-se») mas uma novíssima realidade, algo muito próximo de uma verdadeira criação. Sei que este pensamento é o inverso daquilo que seríamos, em lógica, levados a pensar, que é considerar o acto absoluto da criação no «princípio dos tempos» e não a apontar para o «fim dos tempos». Mas, de facto, a mim afigura-se-me que nós e o universo procedemos de coisa nenhuma e somos um puro processo em curso, sem vislumbre de um verdadeiro principio nem tão pouco de um fim à vista. Porque, em rigor, não pode ter principio o que ainda nem realidade é -o futuro - nem tão pouco podemos antecipar o que há-de ser -o futuro, novamente. Em verdade só o presente «é» em plenitude, enquanto «histórico» do passado e embrião do futuro.
O que complica tudo e provoca esta confusão toda é a nossa humana capacidade de, mentalmente, recuar ou avançar no tempo, sem sair do espaço e do tempo que somos no presente. Somos como que um elástico que se estica em todas as direcções e que acaba por regressar e encolher-se no ponto de partida, depois do esticão exploratório. Não admira nada que, face a tamanha «elasticidade» do pensamento consciente, Descartes, na esteira de tantos outros, tenha considerado a dualidade intrínseca do homem como um facto. Para ele a «res extensa» (o corpo) nada tem a ver com «res cogitans» (a alma e as suas faculdades). A tentaçao é grande para aceitar a dicotomia, pela evidencia do poder da mente a contrastar com a fragilidade de um corpo que parece não ser mais que o habitáculo temporário da alma. O avanço da ciência, porém, vai no claro sentido de que é o "frágil" corpo que está na génese da alma e não o inverso. Ambos formam uma unidade indissociável e essencial.
Para a nossa compreensão da realidade, diga-se em abono da verdade, a situação fica ainda mais complicada ou misteriosa.
Neste contexto, a mente humana surge como o patamar mais avançado da história da vida. E falta saber se não será também o prodígio maior de um universo evolutivo, que se organizou num corpo capaz de gerar o pensamento consciente.
Muito honestamente, penso que é cagança a mais pensar o homem como a «consciência do universo».
Mesmo assim, apetece-me acabar este email como tu fizeste num outro que me enviaste: «Eppur si muove»