terça-feira, 3 de maio de 2011

João Paulo II, Morto Ou Ressuscitado?

Está em curso o processo de canonização de João Paulo II. É impossível não associar este nome a S. Paulo. Depois de tudo o que aqui escrevi sobre a “ressurreição segundo S. Paulo”, impõe-se a pergunta: o Apóstolo, de acordo com tudo o que escreveu, “morreu na esperança da ressurreição” e permanece morto até ao “soar da trombeta” no Dia do Juízo Final ou está ressuscitado, como entende a Igreja, vivo e interventor junto de Deus em favor dos crentes e não crentes (porque não terá deixado de ser o “Apóstolo dos Gentios”)?
Como se vê neste processo de canonização e no culto das “almas do purgatório” a Igreja não aceitou a dureza ou loucura da morte integral do homem e da promessa de uma ressurreição futura, incessantemente anunciada por S. Paulo. Não suportou a demora de duzentos ou dois mil anos para a “Segunda Vinda de Cristo” e acomodou-se a uma fé diferente. No entanto, diferente apenas na pregação e nas práticas litúrgicas, porque a teologia não abriu mão da verdadeira fé e esperança de Paulo, mantendo o dogma da ressurreição da carne.
Seria muito importante que assumisse a divergência entre o que prega ou pratica e o que professa, reconhecendo corajosamente que, se Paulo não sabia nem a hora nem a forma de ressuscitar, a Igreja não sabe mais do que ele.
Não vale a pena fingir que do além vêm cartas ou milagres, remetendo para arquivo das velharias a loucura de S. Paulo, que prega a morte total do homem, feito cinza a aguardar o milagre de uma nova criação divina. E S. Paulo está a ser um homem não só de fé mas de inteligência. Com efeito, ele acreditou que se Deus realizou o prodígio da criação do “velho mundo” a partir do nada, porque não poderia realizar um outro ainda maior sobre as cinzas do “ velho homem”?
Voltando à “falta de fé” da Igreja, podemos perguntar: se a cura milagrosa de uma religiosa é “prova de vida” e de santidade de João Paulo II onde fica a fé e a esperança na ressurreição? Que espaço sobra para a fé, quando a razão é esmagada pelas provas irrefutáveis de uma ressurreição acontecida aqui e agora? Que espaço sobra para o “mistério da vida”, que enche a boca dos pregadores por tudo e por nada, para contrapor à descrença de um racionalismo redutor?
Com toda a justiça se poderá acusar os que ressuscitam mortos e os santificam de que andam a falar de um mistério “faz-de-conta” porque, na realidade, já ostentam orgulhosamente “as provas de vida” daqueles a quem o Apóstolo do Gentios apenas anunciou a esperança de uma ressurreição futura.
É gritante, neste caso de João Paulo II, como nos outros todos, o recurso aos milagres para substituir a fé e a esperança de Paulo de Tarso. Pudesse ele levantar-se do túmulo e gritar bem alto: não foi isto que anunciei!
Com a história dos milagres pretende-se subverter as leis da natureza e destruir o mistério da vida. E, ainda pior do que isso, a história dos milagres fabrica uma divindade que actua “a pedido”, arrasando a fé daquelas pessoas que depositavam a sua última esperança de amor e justiça num Deus-Pai, de verdade, que a todos haveria de tratar como filhos. A mensagem que a Igreja faz passar é a de uma divindade milagreira que, actuando “a pedido”, salva da morte a freira doente, ao mesmo tempo que deixa morrer afogados num tsunami trinta mil japoneses de uma vez só.
Não me impressionam as duzentas mil almas na Praça de S. Pedro. Dois biliões acompanharam um casamento real e facilmente duzentas mil pessoas se juntam dentro de um estádio de futebol.
Custa-me ver a Igreja onde me criei abandonar a fé dos seus fundadores, substituindo- a por uma corruptela que deixa indiferente uma juventude predisposta a ser despertada para o mistério da vida, servindo-lhe um espectáculo de milagres em vez de lhe sinalizar o milagre da vida e do universo. Deixou de entender e de pregar que é no mistério que o ser humano encontra espaço para “respirar”. Mistério mesmo, e não um jogo do faz-de-conta-que- não- sabe, mas sabe tudo sobre o que está para lá da morte.
Até sabe que ninguém morre, pensando a morte como se ela fosse um faz-de-conta. E apresenta as provas: os milagres que os mortos fazem!