quarta-feira, 9 de março de 2011

Um Olho na Terra e Outro no Além

Consciente ou inconscientemente é assim que maior parte das pessoas toma as decisões para a sua vida de cada dia. Tal atitude, por um lado, serve de consolo nas horas difíceis ou trágicas; por outro, conduz a actos de pura alienação. Basta pensar nas pessoas que se recolhem aos mosteiros e clausuras ou nos bombistas suicidas. Uns e outros passam ao lado da vida que a Mãe Natureza laboriosamente nos concedeu. Privam-se de viver a vida presente, imaginando que outra melhor e mais verdadeira os aguarda no Além. Investem tudo, até a própria vida, num suicídio consentido, convencidos de que esta vida "não vale a pena". O olhar sobre a Terra será de desprezo e o olhar sobre o Além será de toda a esperança. E, deste modo, se cultiva o absurdo da vida dentro das portas dos mosteiros , disfarçado numa fé e numa esperança do que há-de vir "depois".
Se nos tempos passados essa atitude, o recolhimento nos mosteiros, contribuiu para fazer despertar o homem para sua sublime e única condição, a consciência humana, nos tempos actuais aparece como um anacronismo. Ou relíquia preciosa do passado, se quiserem, como a divina arte de uma catedral gótica.
Mas já não um ideal.
Também já não serão a introspecção e a especulação, por si sós, a iluminar-nos o caminho. Eu penso que chegou a hora da clarificação e da aproximação das duas irmãs que estavam unidas desde o princípio da busca da verdade, pelo homem: a filosofia e a ciência.
O que foi que as separou durante séculos?
Penso que foi aquela atitude, muito humana, com certeza, mas "desmobilizadora" das tarefas que competem ao homem: um olho na Terra e outro no "Além".
Em contraponto a este título sugiro a feliz expressão do Luis, aqui, na Laje Negra: "Um olho no presente e outro no infinito".
Com tanto caminho para andar, o melhor é aproximar-nos rapidamente da velocidade da luz...

domingo, 6 de março de 2011

A Filosofia Está Morta (II)

No post anterior limitei-me a contrariar Stephen Hawking e a sua afirmação de que a filosofia estava morta, mas não posso deixar de concordar com ele quando diz que os filósofos não foram capazes de acompanhar a evolução da ciência. Não há contradição no que estou a dizer porque tem de ser feita uma clara distinção entre a filosofia e as "filosofias" ou sistemas filosóficos deste ou daquele pensador, por mais brilhante que seja. Apetece recordar aqui as palavras de Aristóteles acerca do seu mestre e gigante da filosofia, Platão: "Sou amigo de Platão, mas gosto mais da verdade".
Posso estar enganado mas fico sempre com a impressão de que a maior parte dos filósofos, nomeadamente os filósofos crentes, nunca foram capazes de se libertar de uma mundividência centrada no homem e pensando o homem como uma entidade separada da Terra Mãe e, consequentemente ,do próprio Cosmos.
Quando era muito jovem fiquei profundamente impressionado com uma sucessão de imagens que pretendiam mostrar as diversas fases da formação da Terra ao longo de biliões de anos de evolução. Habituado, desde a catequese cristã, a pensar num mundo criado em sete dias, aquelas imagens elaboradas pela ciência surgiam-me como uma revelação espantosa. Esse facto marcou-me o pensamento para sempre. Quando revia aquelas imagens de uma “bola de fogo” que foi arrefecendo até se tornar o Planeta Azul maravilhoso que conhecemos, espantava-me como do fogo surgira a vida. Depois foi só acompanhar, pela ciência, a evolução da vida até à surpresa extraordinária da mente humana. Também esta, naturalmente, com origem naquela Terra de fogo original.
“Naturalmente”, insiste a ciência, porque muitos crentes e filósofos recusam a maternidade genuína da Terra, fazendo do homem um filho bastardo, fruto da “ligação” a uma entidade divina, transcendente, sobrenatural, imutável, imortal. E então era como se o “corpo” viesse da Terra e a “alma” procedesse da Entidade.
Repugna a estes filósofos, e aos crentes, que da “não-vida” proceda a vida ou da “física” proceda a “metafísica”. Claro que o problema é complexo e nós não podemos julgar-nos senhores da última palavra, da última revelação, do último pensamento.
Aos filósofos pode parecer uma humilhação depender das ciências para avançar na busca da verdade. E não devia ser, porque a ciência, mesmo quando era incipiente a observação e a medição, sempre foi o ponto de partida para a especulação filosófica, excepto quando a base era a crença nas Divindades. Mas, neste caso, começava a confundir-se com a teologia.
Era bom que fossem definitivamente separadas as águas porque, defender a “dupla substância” como a realidade humana, pode ser fonte de orgulho e consolo para esta vida, vivida entre a alegria e a tragédia, mas, em contrapartida, aceitar a Terra como a nossa mãe por inteiro , vai conduzir-nos a investir tudo nesta nossa vida aqui e agora, como bons filhos da casa.
No plano do conhecimento científico e filosófico, ficará a certeza de que avançando no conhecimento das mais profundas leis que regem a Terra e o Cosmos, avançaremos, seguros, no conhecimento da nossa humanidade.
Já sabemos, pela ciência, que somos irmãos das estrelas, das orquídeas e das borboletas e eu, posso confessar, gosto muito de todos esses “irmãos de sangue”.