sexta-feira, 9 de julho de 2010

Meu Corpo Minha Vida

Desde pequeno que fui ouvindo esta sentença evangélica: «o espírito está pronto mas a carne é fraca». Hoje, ouve-se cantar: «quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga».
Ocorre pensar que antigamente o corpo era responsabilizado pelas nossas desgraças, ao contrário do que pensamos hoje, em que é o espírito a corromper o corpo, numa inversão muito significativa da responsabilidade pelos nossos males.
Temos o privilégio de viver num tempo em que se está a abandonar aquela atitude de «passa-culpas». As filosofias que dividiram o homem em «espírito» e «matéria», como se cada um de nós não fosse inteiramente ambas as realidades, estão a ser corrigidas do erro histórico de um pensamento que não soube ou não pôde aceitar o óbvio: a chama de uma candeia, apesar da magia da sua luz, não subsiste um instante que seja sem o azeite e o pavio que lhe dão a "vida".
Verdade tão simples que ofuscava. Mas só cegava aqueles que pretendiam ter a verdade toda nas mãos e encaixar os sonhos metafísicos e os anseios da fé em sistemas filosóficos da verdade toda. Fatalmente, sobrou-lhes uma filosofia desgarrada da realidade e uma teologia etérea acerca de "homens desincarnados", em que a "parte material" do homem estava ali só para dar chatices.

Hoje, já não se pode pensar que o "azeite e o pavio da candeia" atrapalham o fulgor da chama que eles próprios geram e ouvir-se-á cada vez mais insistentemente: Meu corpo minha vida!

Recentemente, tivemos a notícia de que já é possível sintetizar a vida em laboratório. Não se trata de «criar» a vida mas de o génio humano reproduzir com fidelidade as leis da física e da química que estão na origem da vida, enquanto já se sonha com o derradeiro «milagre» que é dar consciência à vida reproduzida.
Literalmente, para aqueles que sempre acreditaram na imortalidade, seria uma certa concretização da sua esperança. Para os outros, seria, finalmente, a criação da própria imortalidade, o mais antigo dos sonhos do homem, mas nunca antes realizado.
Até esse dia chegar, e se chegar, temos de viver com o mistério de ver um pouco de "azeite" e um "fio de linho" produzir a chama da vida, e de uma vida consciente como a que somos.
A perspectiva de que só no futuro se poderá reproduzir ou criar uma certa imortalidade é susceptível de causar frustração naqueles que querem abraçar a História toda numa vida só. Mas eu não vejo outra saída que não seja continuar a fazer o caminho, pensando que o futuro também é nosso porque lá estarão os nossos filhos. Parca consolação? Talvez, mas correr por gosto não cansa.
A transformação no homem imortal é um cenário de autentica ficção científica e corresponde, de certa forma, à fé cristã na «ressurreição dos mortos».
Pertencemos a um tempo em que Ciência, filosofia e teologia poderão assumir definitivamente a unidade intrínseca do ser humano e levar até às últimas consequencias uma ética e uma moral em conformidade. Como ficará a face da Humanidade quando se generalizar a convicção de que não há salvação da "alma" sem a salvação do "corpo", como quem diz, que só poderemos preservar o espírito quando formos capazes de imortalizar o corpo?
Parece estarmos bem longe desse dia e o cristão obriga-se a viver da fé e o filósofo na expectativa do que vier.
Felizes os que acreditam em fantasmas, que já têm o problema resolvido há muito tempo.

A convicção da unidade do ser humano está a ser expressa no conceito de «pessoa», claramente a sobrepor-se ao de «animal-racional». A ética e a moral estão a ser pensadas para a «pessoa» e não para o "animal". Não se trata de sublimar a nossa animalidade e muito menos negá-la, mas de reconhecer o especialíssimo e exclusivo estatuto que nos confere a consciência.
Cientes desse nobilíssimo estatuto, exigimos ser tratados em conformidade.
Não me admiraria que o próprio conceito de «pessoa» venha a ser vertido no conceito de «homem-espiritual», o homem do futuro, não um fantasma ou alma penada, mas um espírito sustentado na «carne e nos ossos» que nunca deixaremos de ser.
Pela fé, já lá chegou o crente. A ficção cientifica alimenta o sonho dos outros.
Enquanto os académicos se entretêm nas suas intermináveis discussões sobre o assunto, o homem comum, bem mais prático, agarra com sofreguidão os meios que a ciência e a tecnologia vão disponibilizando para ir prolongando a juventude, não de um corpo ou de um espírito, mas da sua "pessoa". Mas há que compreender que a juventude é para o amor e não para a exibição. Depressa se há-de concluir que ser jovem por uma vida longa só valerá se a felicidade for junto