sábado, 8 de janeiro de 2011

Padres Ou Professores?

E começo por citar Alberto Einstein: «Quanto maior é a evolução espiritual da humanidade, tanto mais me parece certo que o caminho genuíno para a religiosidade não passa pelo medo da vida, ou pelo medo da morte, ou pela crença cega, mas antes pela busca do conhecimento racional. Neste sentido, acredito que o padre, se deseja fazer justiça à sua elevada missão educativa, deve converter-se num professor». (In "Como Vejo a Ciência, a Religião e o Mundo", da Relógio D'Agua Editores»

Quando Einstein propôs a sua teoria revolucionária da relatividade geral, quantas pessoas no planeta eram capazes de a entender? E quantas pessoas, entre os quase seis biliões que somos hoje, fazem alguma ideia das reacções químicas descobertas por Alexander Fleming, o inventor da fileira dos antibióticos?
E, no entanto, estes homens, como milhares e milhões de outros, deram um contributo enorme para a transformação da vida de cada um dos seis biliões de «ignorantes».
Já ninguém fica surpreendido ver uma criança de três ou cinco anos manipular o comando de aparelhos audiovisuais ou teclar com mestria um telemóvel. E, no entanto, ignoram completamente a espantosa criação tecnológica que seguram na mãozinha inocente.
Na realidade, a maior parte das pessoas vai vivendo tão despreocupadamente quanto Adão e Eva, desfrutando as delicias do Éden, desconhecendo, quase por completo, como aqui chegaram. Mas a verdade é que, para estes seis biliões de «ignorantes» gozarem o paraíso, alguém teve de o construir.
(Não me interrompam para dizer que "isto" é «paraíso coisa nenhuma», para não ter que retorquir-lhes que o de Adão e Eva era muito mais fantasioso!)
O que se pode deduzir das palavras citadas, de Einstein e o que eu quero afirmar com o enunciado das realizações cientificas, é que estamos a viver uma época de alteração persistente de paradigma quanto à forma de pensar a nossa realidade. Segundo este novo paradigma, a primazia vai para a transformação do mundo e não para a sua interpretação. Como quem diz, a filosofia já não pode pensar e interpretar um mundo «feito-acabado», mas um mundo em construção. Um mundo que, em última analise, ainda falta criar.
Ora nós sabemos que o «padre» assenta a sua pregação em dogmas estabelecidos acerca de um mundo ideal e que é só comportar-nos bem para lá chegar, iluminados pelo dogma. Seja iluminados pelo dogma incarnado, Jesus-o-de-Nazaré, do Pe Mário de Macieira da Lixa, seja pelos dogmas de Buda, que o Luís tem feito escorregar aqui pela nossa Laje Negra. (Em miúdo adorava fazer da laje negra o meu escorrega).
Esta nova perspectiva de um mundo em construção não se adequa aos conceitos tradicionais, pensados para um mundo feito e acabado, novinho em folha, como paraíso oferecido à Humanidade. Claro que Adão e Eva não foram expulsos do Paraíso. Simplesmente porque nunca existiu tal paraíso. Como não existe agora. Mas a Humanidade sentiu-se expulsa do aconchego do seio materno, por algum pecado cometido, e viu-de na necessidade absoluta de providenciar o pão de cada dia. E foi como se cada um de nós ainda não se conformasse com o corte do cordão umbilical. O pensamento do paraíso perdido será ressonância nostálgica da vida garantida e segura no ventre da nossa mãe. Numa segunda fase, e para mostrar que «já somos homens», substituímos o seio materno pelo vasto ventre da Mãe-Terra. Ela estava ali, prontinha, com tudo o que nos fazia falta, pregavam, entusiasmados, os «materialistas» dos séculos do iluminismo e do triunfo da ciência sobre a religião. Enquanto isso, os «padres» agarraram-se e ainda se agarram ao «paraíso perdido» e sonham com o retorno, nem que seja numa outra vida a seguir a esta.
E nem os eufóricos «materialistas» nem os saudosistas religiosos compreenderam que se estava a desenhar no horizonte uma realidade, exactamente, sem horizonte.
E não temos ainda conceitos adequados para lidar com esta verdade. Uma coisa me parece certa: o nosso mundo vai sendo transformado; as novas gerações vão sendo lançadas neste surpreendente paraíso; e sê-lo-ão cada vez mais despertas, e em maior número, para a nova realidade; os padres e filósofos vão todos virar professores das ciências da vida, ela mesma em acelerada transformação (que o digam os investigadores da neuro ciência e da genética).
O génio de Einstein viu longe.
E agora diz-me, Luís, para que serve falar de determinismo ou indeterminismo num mundo sem horizonte? Por outro lado, na tua computação, isso é absolutamente determinante. Sem o determinismo puro e duro da matemática não consegues elaborar um único programa. O chato é que a vida é muito mais que matemática e computação. Sem horizonte que se perceba, permanece mistério. Também em Damásio.
Como acabas de ver, para mim, a vida não é uma questão de compreensão ou interpretação mas de construir o que ainda não existe.
Modestamente, muito humildemente, prefiro falar em transformação-reprodução, porque tenho sempre a sensação de que apanhamos o comboio a meio da viagem...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Fogo de Artifício

Aconteceu-me, em 2010, assistir a duas sessões de fogo de artifício. Primeiro nas festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, e, agora, em Barcelos, na passagem de ano. Na minha aldeia de Balugães (Barcelos) diz-se ou dizia-se, quando era garoto, «fogo de vistas». E, bem vistas as coisas, a fórmula popular é mais expressiva e explicativa que a erudita «fogo de artificio». Artificio há, de certeza, nos dois fogos. Mas o de «vistas» "explica" que é espectáculo para os olhos (vistas, como estar "cego de uma vista") que distingue do espectáculo barulhento feito para os ouvidos, no vulgar foguete. Preciosismos da linguagem.
Em Barcelos o espectáculo foi montado mesmo no centro da cidade, a partir do lindo e bem tratado jardim, a poucos metros da formosa e surpreendente, na sua arquitectura, igreja do Senhor da Cruz. O fogo abria-se mesmo por cima da cabeça dos espectadores e nem eu nem a minha mulher tínhamos, alguma vez vivido tão por dentro um fogo assim. Quando se está de longe e já se viram muitas sessões de fogo, não custa desviar o olhar e conseguir algum distanciamento. Mergulhados no espectáculo como estávamos ali, ficamos presos ao encanto da obra dos artífices.
Tão longa introdução, para vos falar de um outro fogo, o fogo do nosso pensamento.
Num comentário ao psot anterior, do Limabar, expressei o meu espanto pelo facto de um «filho da Terra», o homem, confrontar a Mãe com o mistério do seu nascimento. Porque são cada cada vez menos as dúvidas de que nascemos aqui!Nem somos extra terrestres nem espíritos "desincarnados" escondidos em formas corporais. A ciência encaminha-nos com segurança para essa verdade e os cientistas são os primeiros a ficar atónitos perante a surpreendente realidade. Os «materialistas» apressados dos séculos dezoito e dezanove estão a ser, literalmente, cilindrados, tanto quanto o foram os criacionistas que recusaram, até à última, o evolucionismo.
Siderados perante a dimensão do macro e do microcosmos, os cientistas ganharam em humildade o que os «materialistas» haviam multiplicado em cagança.
Vai-se descobrindo que a nossa Terra-Mãe, e com ela nós próprios, estamos ligados umbilicalmente ao universo que nos cria e alimenta, como criança no ventre materno.
E o nosso pensamento consciente permite-nos acompanhar, em tempo real, o desenvolvimento da vida. E já não se trata de adivinhar um qualquer mistério transcendente e nele acreditar, mas de apalpar, ver, ouvir, cheirar, saborear e sentir e medir e pensar, este que nos é dado viver conscientemente.
Já não se fala mais em «fugir deste mundo» nem prever o seu Apocalipse, mas tomá-lo inteirinho nas mãos, simultâneamente como herança e como projecto.
E o mesmo fogo de brilho intenso do pensamento consciente haveria de esconder no seu íntimo a mais estranha sensação de incerteza. É que o pensamento consciente de cada um dura apenas o tempo de um fogo de vistas. Esgotada a "pólvora", acaba-se o fogo, o brilho, o espectáculo, a emoção, o sentimento, o pensamento, a consciência.
Saramago já não é mais que um punhado de cinzas de um intenso fogo que se extinguiu. Sobrou a lembrança na mente dos que o conheceram e leram e hão-de ler, e a saudade amorosa no coração de Pilar del Rio e dos amigos.
É muito pouco, para quem tem sonhos de eternidade.
E a verdade é que nós não desistimos desse sonho, enfrentando heroicamente a desesperança.
O ser humano é fantástico! Nós somos mesmo bons! E dos «maus» também reza a história, mas não me apetece falar deles.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Em jeito de conversa...

No meu último post não foi minha intenção lançar uma polémica sobre o conceito de livre-arbítrio. Sei que as correntes filosóficas sobre o tema são várias e foram discutidas por imensos pensadores e filosofos. A minha ideia de base era focar a nossa dependência consciente, e sobretudo inconsciente, do ambiente em que vivemos. Mostrar que a parte cultural da nossa consciência, é o resultado da interacção do nosso eu com o mundo exterior. (Eu vejo a consciência como um todo constituído de duas partes distintas e indissociáveis: a biológica, herança da espécie, sobre a qual o nosso poder de acção é quase nulo; a cultural que construimos a cada instante da nossa vida.) O que eu queria trazer à luz é o facto de, em relação ao meio em que vivemos, não passarmos de um pião das nicas, puxados, empurrados, sacudidos pelos ventos interesseiros e interessados dos vários agentes que nesse meio pululam. Sendo nós próprios um componente desse meio, não nos é dado ignorar nem rejeitar tudo o que dele nos vem, mas cabe-nos o direito de questionar, seleccionar e guardar unicamente o que julgarmos útil ou agradável.

Acho este ponto importantíssimo na construção da consciência de cada ser humano. Quando nascemos somos um livro branco, nem os registos da herança biológica são legíveis. A qualidade de toda a nossa vida vai estar sujeita à pertinência do que aí será escrito. Estarão aí os mandamentos, as leis e os preceitos que vão fazer de nós o que seremos.

No meu ultimo comentário permiti-me, de certa forma “julgar” o Mário e o Luis. Acreditem que o fiz pela simpatia que me transmitem os vossos “taco a taco”. Em resposta o Luis não hesita em resumir-se numa quadra, que não rima é certo, mas que contêm com certeza a “poesia” da sua vida.

Quanto a mim, confesso, prefiro o espectador ao actor, e o ”eu” emprego-o mais a discutir comigo próprio do que a falar com os outros. Aqui vai uma amostra que me aconteceu aqui há uns tempos. Não é uma queixa, é uma constatação.



VIDA


Corri, escorreguei, caí,

Rachei um dedo, gritei.

Foi assim que comecei

A vida que não escolhi.


Porta aberta, eis-me lançado

No pantanal da existência.

Sonhos, loucura, inocência...

Tudo levei num braçado.


Ela está onde, a verdade?

Quem socorre um vagabundo...?

Era a manhã deste mundo,

Princípio da eternidade.


Alguém chamou, deu um grito

Que tudo estremeceu.

-Anda, pega, o tempo é teu,

Ouro, glória... o infinito!


Prometeu coisas sem fim!

Fiz contrato e assinei.

Dei mãos à obra, lutei

Até dar cabo de mim.


Vida sacana, canalha.

Que pesadelo medonho !

Se não acabo este sonho

Não há santo que me valha!


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Do Livre Arbitrio

Pois é, Lima, este poema que o Luís re-colocou na Laje Negra atirou-nos, em tempos, para uma disputa do caraças acerca do tema que propões. O poema do António Gedeão é muito lindo mas conta a história da nossa liberdade de escolha de uma forma tão..."metafísica" que nós ficamos sem saber se está a falar de gente de carne e osso ou de espíritos encarnados, que muito boa gente confunde com o ser humano.
É isso aí. O «dualismo» imbricou-se de tal forma no pensamento dos homens, que Damásio & Cª vão ter muito que suar para convencer as pessoas a descer à terra.
Somos uns ingratos! Sempre a voltar as costas à Terra-Mãe que nos deu tudo.
Estava aqui a pensar, a propósito da publicidade e todas as outras armadilhas que fazem gato-sapato do nosso livre arbítrio, nas séries televisivas sobre a vida selvagem na Nacional Geographic. Há animaizinhos que conseguem aumentar o seu tamanho para o dobro, inchando por todos os lados, para fazer crer ao seu predador que é bem maior e mais forte do que ele pensa. Outros há que fazem trinta por uma linha para seduzir a fêmea, armando-se em "bons". No reino das plantas, a arte de enganar é também requintadissima.
A nossa publicidade sedutora, enganosa e enganadora, não lhe fica atrás. O que significa que nós, humanos, filhos da mesma «cepa», não negamos a mãe-natureza! E eu prefiro-me assim, a um espírito feito alma-penada que não se engana nem se deixa enganar.
Nunca sentiste, meu caro Lima, um sentimento de vitória, quando descobriste a "marosca" de um "trapaceiro"? Já pensaste na comoção sentida por aqueles nossos antepassados quando desmascararam a mentirosa Lua? Tão pequenina, parece ela; ora cresce ora minga e vai-se a ver, é tudo um faz-de-conta. Como o Pai Natal.
Nós não nascemos "ensinados" e muito menos com uma «alma-feita», isto, claro, se não formos dualistas como Platão ou Descartes ou António Gedeão (estou a brincar com o Gedeão, porque ele fez poesia e não filosofia).
Aprendemos a fazer e desfazer enganos, a decidir bem ou mal e a escolher bem ou mal.
Tudo em nós é uma "capacidade" em desenvolvimento, como a primitiva célula que se replica até criar a estrutura de um ser humano fabulosamente complicada.
Não se pode chegar ao livre arbítrio como Descartes chegou à «Res Divina»: temos a «ideia» de perfeição; mas nós não somos perfeitos; logo tem de haver um ser onde a perfeição se torne real. Esse ser é Deus.
Assim é fácil chegar a Deus ou ao livre arbítrio. Ou não chegar coisíssima nenhuma!
Platão dizia que nenhum circulo desenhado ou esculpido é perfeito e só a «ideia» de circulo é perfeita. É como dizer que a «maqueta» de uma cidade é perfeita mas a cidade propriamente dita é um amontoado imperfeitíssimo de elementos. Vai-se fazer a "prova dos nove" e lá temos a ideia perfeita de Platão no projecto matematicamente impecável do arquitecto, a comparar com a "grosseira" realidade dos maus cheiros e dos gases tóxicos por todo o lado, sem contar com os mil e um defeitos, detectáveis a olho nu, por imperícia dos «trolhas».
Certamente que a mãe natureza é bem mais perfeita naquilo que faz e a prova disso está no projecto matematicamente perfeito do arquitecto. Só que os senhores dualistas dizem que o autor do projecto da cidade é outra «substancia», a «res cogitans», que não tem nada a ver com a cidade propriamente dita, e que Descartes chama de «res extensa».
Pois é, cá temos uma alma acoplada a um corpo, que é tudo o que António Damásio nega: um homem, duas substancias. No limite, duas naturezas.
E a partir daqui nascem as intermináveis discussões bizantinas, como esta sobre o livre arbítrio. Com efeito, se ficarmos presos aos conceitos de liberdade, de escolha, de fatalidade, estamos a confundir «maqueta» com a «cidade», como quem diz, o conceito abstracto com a realidade. E esta é incomensuravelmente mais rica do que tudo aquilo que vamos podendo "miniaturizar" pelo nosso nosso génio.
Eu já afirmei e volto a repetir: 2+2=4. Dois Limabar mais dois Limabar, não são quatro condiscipulos da minha adolescencia, porque Limabar só há um, o de Geraz do Lima e mais nenhum.
É a distancia entre o conceito e a realidade e nós sabemos calculá-la bem. Por isso é que conseguimos construir as cidades que sonhamos.
O Luís vai-se ir aos arames, mas vou escrever, mesmo assim: a distancia entre o fatalismo do livre arbítrio e a verdade (possível) da livre escolha é a mesma que existe entre a fantasia e a realidade.
As consequencias da aceitação de uma «verdade possível» e de uma «liberdade possível» são demolidoras para a ética e para a moral. Quem faz as leis e quem zela pelo seu cumprimento (os juízes) vão ser obrigados a legislar e a julgar tendo em conta a «cidade» imperfeita ou inacabada (cheira a relativismo, mas que hei-de fazer!) e não a «maqueta» idealizada, para o mundo único e irrepetivel que é cada ser humano.
Seria caso para dizer: não queria estar na sua pele. Mas eles desenrascam-se bem, improvisando que se fartam!!! E é o que vale, se não isto não atava nem desatava. O caminho é longo, sinuoso, barulhento e confuso. Não é assim, Dalai Lama? Acho bem que medites profundamente nestas coisas e acho mal que pares na borda do caminho, à espera que os outros construam a cidade barulhenta e malcheirosa que vai sendo possivel.
(Juro que esta não foi para o Luis!)