sábado, 1 de janeiro de 2011

Livres... sem livre-arbítrio

No meu ultimo comentário sugeri começar o ano com uma pequena mudança de assunto, nestas conversas de amigos, que, espero, são proveitosas para todos. O tema a que eu fazia alusão, é um fenómeno de sociedade, que nos invade quotidianamente, embora, à força do habito, poucos disso se apercebam. A mim não raro me faz vociferar... mas é tudo o que posso fazer!

Para melhor apreender as implicações desse fenómeno nas nossas vidas, começaria por relembrar algumas considerações sobre o funcionamento do nosso sistema decisional.

A qualidade da nossa vida depende, em boa parte, das decisões que tomamos, seja qual for a importância que lhes é dada. Ora essas decisões, se somos livres e conscientes, devem obedecer ao nosso bem-querer, ao nosso livre-arbítrio. É a condição primeira para nos sentirmos livres e senhores do nosso destino. Neste processo, o nossa mente utiliza a informação que lhe é disponibilizada pelos centros de armazenamento da memória, informação essa seleccionada pelos sistemas de aquisição de que dispomos. O circuito de armazenamento começa pela recolha da informação do exterior, através dos meios de percepção do nosso corpo, seleccionando e atribuindo de imediato a cada fragmento informativo, um certo valor qualitativo, em relação ao “eu” que nos habita. Assim, a pouco e pouco, a nossa mente, vai constituindo uma enorme base de dados, cujo conteúdo será utilizado, consciente ou inconscientemente, em cada tomada de decisão.

Então, perguntaria eu, por que será que tantas vezes somos as vítimas das nossas próprias decisões? Se somos livres de escolher, por que razão nos enganamos? Forçoso é de constatar que, ao menos uma parte do conteúdo de que dispõe a nossa mente, não é fiável, ou pelo menos não corresponde àquilo que o nosso “eu” desejaria.

É aqui que entra o tal fenómeno de que falei acima. Fenómeno esse, hoje universal, que eu considero uma verdadeira tara da nossa actual sociedade. Realidade omnipresente, disfarçada sob aparentes fins informativos, é hoje um poderoso actor que age sub-repticiamente sobre uma boa parte das nossas decisões, supostamente livres e consentidas. Estou a falar da Publicidade, de toda e qualquer forma de publicidade..

Acordo de manhã, ligo o programa de radio habitual, e ela aí está! É o começo de uma invasão descarada de meu espaço privativo, a minha casa. Entra sem autorização, por qualquer frincha aberta para o exterior. Passa pela televisão, pela Internet, por radio e telefone, pelos jornais, pelas revistas, pelo correio, até pelas janelas. É maçadora, repetitiva, impertinente. Se saio à rua, é o olhar que é atraído, em cada esquina, em cada praça, em cada muro. Sinais convidativos, mensagens multiformes de um subtil entendimento. Vou ao cinema, mas nem aí me livro dela. Tenho que a suportar se quero ver o filme inteiro. Entro no carro, faço quilómetros para desafogar... pura ilusão, ela está sempre há minha frente, no campo de visão, provocadora, instigadora. Estradas, vilas e cidades, por toda a parte onde houver povo, aí está ela, omnipresente, inevitável. Quando a informação é real e a mensagem honesta, pode ser aceitável, mesmo útil. Quando é agressiva, tendenciosa, desonesta, mentirosa, embora quase sempre bem vestida e aliciadora, torna-se prejudicial e potencialmente perigosa. A mensagem, trabalhada, embelezada, visando muitas vezes alvos escondidos, é enviada repetidamente em nossa direcção, através de artimanhas várias, de tal maneira e engenho que nos é quase impossível não a receber. Os espíritos suficientemente esclarecidos e alertados em relação ao perigo, podem acomodar-se e rejeitar o indesejável, embora saibamos que o inconsciente guardará sempre restos insuspeitos. Os distraídos, ou os incapazes de ordenar correctamente as suas percepções, correm o risco de aceitar informações menos claras, duvidosas ou mesmo erradas, sub-repticiamente intrusivas, sem que o sistema de controlo se aperceba de tal facto.

É assim que, inconscientemente, através da percepção que temos do meio que nos rodeia, vamos acumulando informações que, misturadas ao património cultural já adquirido, vão ajudar a consciência na hora da decisão.

A consciência guia a nossa vida através das opções por nós tomadas. Ela pode enganar-se na sua escolha, se o conteúdo informativo de que dispõe é desnaturado.

Somos assim livres de escolher, mas enganados ao exercer o nosso livre-arbítrio.

Limabar

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Votos de um Bom Ano

Para todos os amigos que vêm à Laje Negra, votos de um feliz Ano Novo.
Como sou um optimista por natureza, penso sempre que o próximo ano vai ser melhor que o anterior. Mas a verdade é que a História me empurra para esse optimismo.
Quando era miúdo, ouvia cantar as «janeiras» com versos que convidavam ao optimismo, comos estes:

Ano Velho deixa o Novo
Deixa o Novo governar
Enquanto tu governaste
Ninguém te pôde aturar.

Juro que não tem nada que ver com a política!

Um grande a fraterno abraço

Mário Neiva

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Forma e o Fundo (2)

«O budismo é, antes de mais , a consciencia de que nada é permanente», dizes tu, Luis, não sei se por ti, se pelo «outro Buda».
Nesta afirmação desdizes tudo o que afirmas do budismo. Porque a «consciencia de que nada é permanente» pretende ser toda a realidade e a realidade toda. Ou não é assim? E não vale a pena jogar com as palavras-conceitos de «existe» ou «não existe», caindo no racionalismo cartesiano que faz depender a «existencia» da actividade do nosso pensamento. «Penso,logo existo». Para quem aceita o dualismo do ser humano, tal poderá ter alguma lógica e chegar ao ponto de afirmar, como já vi aos espiritualistas, de que não é o cerebro que gera a mente, mas a mente que gera o cérebro.
"Situar" a realidade do pensamento "antes" da "materialidade" do cérebro, que quatro biliões de anos se esforçaram por estruturar, é um modo de ver as coisas. Não é o meu nem o da ciência.
O budismo aparece-me, de facto, como um racionalismo puro encapotado, e o último parágrafo do teu comentário é lapidar.
A laboriosa construção do «eu» implica uma identidade que reproduz perfeitamente, no meu entender, a essencia da realidade, a saber, a perenidade de "ser", que no caso do homem «é consciente» e a permanente mudança ou movimento, materializado em «formas». "Fisicamente", eu, hoje, já não sou o que era ontem. Nem há um instante atrás (ai o tempo!!!). Lá regressamos à «forma e o fundo»! Poderiamos dizer, assim de uma forma um tanto grosseira, que as formas são o desdobramento do ser. E, assim sendo, não só não nos levam ao engano, como, bem pelo contrário, nos revelam as belezas do «fundo».
O génio humano não ficou passivo, aguardando que este «fundo» se revelasse nas «formas» e quer saber mais. Porque descobriu que existe um «fundo» e nós somos parte desse «fundo» acredita que conhecendo esse «fundo», conhecerá o seu destino.
Mas um novo problema se levanta. A «forma e o fundo» são as duas faces da mesmissima moeda e a realidade aparece-nos como uma espécie de obra inacabada e, nesse sentido, "inexistente" . (Talvez seja por isso, Luis, que passas a vida a dizer-me que «existes e não existes»). Olhamos a moeda da vida de um lado e vemo-la em perpétua mudança; olhamo-la do outro e vêmo-la tão dura e eterna como um diamante.
Ficamos baralhados. E o caso não é para menos!
Diz-me aí, Luis, tu que afinal sabes de dois Budas, qual a face da moeda do «ser» ou da vida que o budismo não está a ver?

domingo, 26 de dezembro de 2010

«O Caminho Do Meio»

«O caminho do Buda não é o do ascetismo, nem o da luxúria. É o Caminho do Meio. Rejeitar as privações e os excessos. O apego é excesso. Jogar um joguinho é bom, mas ter mau perder não é bom. A diferença está no apego. O egoísmo, o orgulho, o desejo desmedido, resultam duma sobrevalorização do eu». ( do Luis)

Já vai sendo hábtito fazer um post a partir de um comentário a outro. Como se estivesse a comer cerejas de um cestinho, mesmo acabadinhas de apanhar, com os longos "pés" entrelaçados e, quando a gente pega uma, vêm três ou quatro de uma vez.

Está tudo muito certinho nos "conselhos" de Buda. São palavras sensatas e sábias para uma vida tranquila e feliz. Mas são também palavras que apelam ao conformismo com o «fado» que nos calhou em sorte. Neste sentido o Luís afirma, na citação acima, que «o caminho do Buda não é o ascetismo». A «perfeição» de Buda é a conformidade à nossa condição humana, ajustando a razão e a vontade ao que somos. E aquilo que somos está fixado como realidade no mais íntimo de nós. No fundo, a nossa tarefa será encontrar a realidade que já somos e da qual nos afastamos, vá-se lá saber porquê. Nesta perspectiva, se a «nossa vida» não é um regresso ao passado, parece.

Não é esta a perspectiva que nos oferecem os desenvolvimentos actuais da ciência, que nos fala de um universo em expansão e nos revela um longuíssimo processo evolutivo, até à emergência da mente consciente. A mesma mente que nos possibilita considerar diferentes perspectivas para a realidade do ser humano.
Não são poucos os cientistas a afirmar que a evolução continua o seu curso e isso significa que não existimos para reencontrar a nossa essência mas para criá-la. E portanto, meu caro Luís, «O Caminho do Meio» ou o caminho do perfeito equilíbrio é uma demanda inglória, como de alguém que procura o que já foi ou é. A perspectiva alternativa é a criatividade, esperando que seremos aquilo que nunca fomos.
Para mim é muito mais aliciante.