No meu ultimo comentário sugeri começar o ano com uma pequena mudança de assunto, nestas conversas de amigos, que, espero, são proveitosas para todos. O tema a que eu fazia alusão, é um fenómeno de sociedade, que nos invade quotidianamente, embora, à força do habito, poucos disso se apercebam. A mim não raro me faz vociferar... mas é tudo o que posso fazer!
Para melhor apreender as implicações desse fenómeno nas nossas vidas, começaria por relembrar algumas considerações sobre o funcionamento do nosso sistema decisional.
A qualidade da nossa vida depende, em boa parte, das decisões que tomamos, seja qual for a importância que lhes é dada. Ora essas decisões, se somos livres e conscientes, devem obedecer ao nosso bem-querer, ao nosso livre-arbítrio. É a condição primeira para nos sentirmos livres e senhores do nosso destino. Neste processo, o nossa mente utiliza a informação que lhe é disponibilizada pelos centros de armazenamento da memória, informação essa seleccionada pelos sistemas de aquisição de que dispomos. O circuito de armazenamento começa pela recolha da informação do exterior, através dos meios de percepção do nosso corpo, seleccionando e atribuindo de imediato a cada fragmento informativo, um certo valor qualitativo, em relação ao “eu” que nos habita. Assim, a pouco e pouco, a nossa mente, vai constituindo uma enorme base de dados, cujo conteúdo será utilizado, consciente ou inconscientemente, em cada tomada de decisão.
Então, perguntaria eu, por que será que tantas vezes somos as vítimas das nossas próprias decisões? Se somos livres de escolher, por que razão nos enganamos? Forçoso é de constatar que, ao menos uma parte do conteúdo de que dispõe a nossa mente, não é fiável, ou pelo menos não corresponde àquilo que o nosso “eu” desejaria.
É aqui que entra o tal fenómeno de que falei acima. Fenómeno esse, hoje universal, que eu considero uma verdadeira tara da nossa actual sociedade. Realidade omnipresente, disfarçada sob aparentes fins informativos, é hoje um poderoso actor que age sub-repticiamente sobre uma boa parte das nossas decisões, supostamente livres e consentidas. Estou a falar da Publicidade, de toda e qualquer forma de publicidade..
Acordo de manhã, ligo o programa de radio habitual, e ela aí está! É o começo de uma invasão descarada de meu espaço privativo, a minha casa. Entra sem autorização, por qualquer frincha aberta para o exterior. Passa pela televisão, pela Internet, por radio e telefone, pelos jornais, pelas revistas, pelo correio, até pelas janelas. É maçadora, repetitiva, impertinente. Se saio à rua, é o olhar que é atraído, em cada esquina, em cada praça, em cada muro. Sinais convidativos, mensagens multiformes de um subtil entendimento. Vou ao cinema, mas nem aí me livro dela. Tenho que a suportar se quero ver o filme inteiro. Entro no carro, faço quilómetros para desafogar... pura ilusão, ela está sempre há minha frente, no campo de visão, provocadora, instigadora. Estradas, vilas e cidades, por toda a parte onde houver povo, aí está ela, omnipresente, inevitável. Quando a informação é real e a mensagem honesta, pode ser aceitável, mesmo útil. Quando é agressiva, tendenciosa, desonesta, mentirosa, embora quase sempre bem vestida e aliciadora, torna-se prejudicial e potencialmente perigosa. A mensagem, trabalhada, embelezada, visando muitas vezes alvos escondidos, é enviada repetidamente em nossa direcção, através de artimanhas várias, de tal maneira e engenho que nos é quase impossível não a receber. Os espíritos suficientemente esclarecidos e alertados em relação ao perigo, podem acomodar-se e rejeitar o indesejável, embora saibamos que o inconsciente guardará sempre restos insuspeitos. Os distraídos, ou os incapazes de ordenar correctamente as suas percepções, correm o risco de aceitar informações menos claras, duvidosas ou mesmo erradas, sub-repticiamente intrusivas, sem que o sistema de controlo se aperceba de tal facto.
É assim que, inconscientemente, através da percepção que temos do meio que nos rodeia, vamos acumulando informações que, misturadas ao património cultural já adquirido, vão ajudar a consciência na hora da decisão.
A consciência guia a nossa vida através das opções por nós tomadas. Ela pode enganar-se na sua escolha, se o conteúdo informativo de que dispõe é desnaturado.
Somos assim livres de escolher, mas enganados ao exercer o nosso livre-arbítrio.
Limabar