sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A Santissima Realidade

Este post pretende ser uma continuação do anterior e surge na sequência dos 66 comentários ao "Budismo Sem Mim".

Estabelecendo uma espécie de analogia com a Santíssima Trindade do cristianismo, começo por especificar quais são as três entidades de uma Santíssima Realidade:

EU (o "mim" da consciência)
TU (a alteridade)
UNIVERSO (as formas objectivas)

São três realidades que se constituem como um verdadeiro mistério e tão paradoxal como o da Santíssima Trindade cristã.
Tal como na minha catequese católica, vou responder "sim" a cada uma das três perguntas sobre o inexplicável paradoxo.

EU sou Realidade? Sim
TU és Realidade? Sim
O UNIVERSO é Realidade? Sim
Então são TRÊS Realidades? Não senhor! São três Entidades iguais e distintas numa só Realidade verdadeira.

Existe proximidade entre o pensamento de Platão e o pensamento de Buda, apesar de uma divergência fundamental. O que os aproxima é a desvalorização do "mundo sensível". O que os separa é a realidade-múltipla.
(O Luís nota que Buda e Platão quase não são contemporaneos. Buda terá vivido um pouco antes. Mas também é verdade que Buda não escreveu nada e o que dele conhecemos recebêmo-lo através das escolas posteriores dos seus muitos seguidores).

Platão afirma a falsa realidade do mundo sensível e todas as suas formas. Mas a cada forma enganosa corresponde uma ideia que é a sua verdadeira essência e, esta sim, perfeita, inteligível e bela.

Buda foge desta confusão toda, em que a cada forma enganosa do mundo material corresponde uma realidade essencial e reduz tudo a uma única ideia-entidade, o SER Uno, Indivisível, Informe, Impessoal.


Em que se fundamenta Buda para dizer que "eu" sou precisamente "tu" e "tu" és exactamente o Universo?
Porque ficou desencantado com a fluidez das formas com que a Realidade se oferece à nossa mente consciente? Porque ficou desenganado com a volatilidade e fragilidade da própria mente consciente? Porque desistiu de procurar (filosofar e viver) perante a grandeza insondável do universo que a sua inteligencia aguda vislumbrou?

A ideia do "ser-uno" de Buda foi gerada pela mesma mente que gerou a ideia múltipla de Platão. Ou alguém duvida que assim tenha sido? O princípio de qualquer filosofia ou teologia é o próprio homem: EU e TU, contemplando um UNIVERSO que, simultanemente, somos e temos consciência de ser. E é esta consciência de ser, este "nada-de-ser" que nos constitui como EU e TU.

Será errado dizer que Buda pretende anular esta "luz da consciência", o EU, e muito menos considerá-lo intrinsecamente uma ilusão. Intrinsecamente, o universo existe, "eu" existo e "tu" existes. Sim, mas integrados, até à completa fusão, no Uno Impessoal. O supremo objectivo do homem é reconhecer "finalmente" que só ilusoriamente "é" ou alguma vez "foi" outra realidade que não a absoluta unidade do SER. Logo, qualquer pensamento de compartimentação é estranho à sua Ideia. E, mais que estranho, Buda determina que é ilusório.
É uma ideia. Que não partilho.

Há uma verdade fundamental que partilho com Buda: a "realidade intrínseca das coisas", seja lá o que ela for, para Buda ou para mim. Eu aceito que não sabemos o que é essa realidade intrínseca mas fazemos parte dela. Por isso mesmo é que discorremos sobre como será.
Para Buda ela é intrinsecamente monolítica e para mim é intrinsecamente multiforme ou multi-estrutural, a ponto de a descrever como a "Realíssima Trindade".

Se imaginarmos a Realidade como uma bola multicolor de plasticina, esta pode ser modelada numa infinidade de "bonecos" sem nunca deixar de ser intrinsecamnete o que é. Enquanto a forma dura, somos intrinsecamente essa forma. E desde que descobrimos isso o nosso sonho é fazer durar o "boneco", se possível, até sempre...

Duas filosofias e duas propostas concretas para a vida: fazer desaparecer o "EU" (o boneco da analogia) ou fazer emergir o "EU".
Por mim, "viva o boneco"!