sábado, 5 de junho de 2010

Se mais Mundo houver, lá chegaremos?

Por mais voltas que a gente dê ao pensamento não conseguimos encontrar uma explicação aceitável para o mistério deste Universo, onde surgiu a vida e a consciência que nós somos.
Cada nova descoberta cientifica aponta-nos sempre um horizonte mais vasto.
A razão falha perante a misteriosa realidade. Qualquer cientista ou pensador intelectualmente honesto já não sente o mínimo prurido em aceitar que a nossa razão é incapaz de lidar com este mistério em toda a sua abrangência. São cada vez menos aqueles que se recusam a aceitar estarmos em presença do mistério profundo que nos envolve. Seja em que direcção for que a ciência desenvolva a sua pesquisa, o caminho é sempre a perder de vista. E parece que ninguém quer cruzar os braços perante a tarefa impossível que têm pela frente. É paradoxal!
Os cépticos são vistos como derrotados e acobardados, porque desistiram de pesquisar ou simplesmente interrogar-se. Porque perderam o sentido da genuína admiração.
No outro lado vemos os “sonhadores”, incarnando a atitude dos primeiros filósofos que, sem filosofias fechadas em sistemas, se definiam simplesmente como «amigos da sabedoria». E estes “sonhadores” têm razões para se “espantarem”, como nunca acontecera antes na história da humanidade. É que o mundo que contemplam e querem compreender cresceu em complexidade e dimensão, inimagináveis ainda há pouco mais que algumas décadas.
Filósofos e cientistas olham-se nos olhos e concordam que já não dá para fazer caminho em separado, porque se, à partida, os métodos para chegar ao conhecimento são diferentes, as perguntas, no final, começam a ser idênticas. Como explicar um mundo que não sabemos nem se começou nem se tem limites?
E, apesar disso, pela nossa consciência, sentimos que tocamos o próprio mistério, porque pensá-lo é descobrir que estamos dentro dele.
É isto que nos baralha. Há dias o Luís escrevia, neste blog, que vivia com um olho no finito e outro no infinito. De facto, quando assomamos, pela consciência, à janela da vida, é como se nos debruçássemos sobre o abismo.

Haverá uma forma diferente de abordar o «mistério»? Será que esta mistura que nós somos de consciência, razão e sentimento nos aponta alguma saída para o impasse?

O Meu Quadro Negro «Pedralhães»

«Em miúdo eu tive um PEDRALHÃES, com monitor de 12 polegadas !... E sei a tabuada, fazer contas de cabeça e escrevo sem erros!!!!!...Ganda máquina aquela !!...»

Recebi, por e-mail, da minha amiga BEBE. Respondi-lhe a dar-lhe conta do meu «pedralhães»...

Olá BEBE

Em miúdo eu também tive um «pedralhães». Também aprendi a tabuada toda, de cor e salteado, decorei rios e montanhas de Portugal a Timor, mais os nomes e cognomes dos réis das nossas dinastias. E muito mais.
Quando passo junto ao edifício que foi a minha escola primária, aqui em Balugães, sinto ainda uma leve comoção de ternura pela minha infância.
Quando era miúdo, havia crianças e idosos a pedir de porta em porta e morria-se por não ter dinheiro para comprar uma «pastilha» no boticário, para fazer baixar a febre.
Quando era miúdo, trabalhava-se no campo de sol a sol e as moças cantavam pelos caminhos enquanto tangiam o gado para os pastos ou no regresso aos currais.
Quando era miúdo havia desfolhadas animadas com sardinha assada, vinho verde tinto a sair da pipa e desgarradas marotas.
Quando era miúdo, uma junta de bois, espicaçada pelos aguilhões das varas, arrastava-se, mesmo assim, um dia inteiro, para lavrar um pequeno campo. E o lavrador derretia-se em suor, guiando o arado.
Quando era miúdo, nos campos só havia férias se faltava o trabalho.
Quando era miúdo, jantava-se à luz da vela e éramos todos muito felizes, os que tínhamos pão para colocar sobre a mesa.
E era o «pedralhães» na escola, mais a «pena» com aparo de molhar no tinteiro e os livros herdados dos irmãos mais velhos. Numa escola gelada no inverno, quatro classes para a mesma professora, ao mesmo tempo e na mesma sala.
Todo este passado é meu e não o troco por coisa nenhuma desta vida.
Mas encanta-me ver um sobrinho neto, de quatro anos, ensinar o avô a trabalhar com o «menu» de um telemóvel.
Imagino o que esta criança não fará, aos seis anos, quando tiver nas mãos o tão vilipendiado «magalhães».
Mesmo antes de saber fazer contas de cabeça, viaja pelo mundo numa linguagem universal.
Amo a infância que sou, tanto como o momento que vivo. Ninguém me verá parado no passado porque eu venho de lá, é verdade, mas trouxe-o todo comigo.
E é a contar com esse passado que construo o futuro que ainda sonho.

Um abraço
Mário

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Vinho Novo Em Odres Velhos

Excertos de uma carta a um amigo ex-candidato a padre.

Sabes por experiência própria que há tanta gente, sobretudo jovem, à espera de uma palavra esclarecida sobre o nosso destino. E faz-se uma doutrinação em linguagem envelhecida, já sem significado, com a «pastoral da Igreja» a tentar encher de vinho novo, odres velhos. O resultado é uma debandada generalizada, sem que tal facto preocupe os «pastores». Esvaziaram-se os seminários e conventos, os padres escasseiam, as freiras estão em vias de extinção. A resposta dos responsáveis pela Igreja é o “deixa andar”.
Pessoalmente, e como já te disse, tal facto não me preocupa, porque penso que o que há de melhor no cristianismo, o fermento do amor entre os homens, está a levedar a massa. Os rituais religiosos, lindos e veneráveis, carregados de ensinamento, tendem a acabar, arrumadinhos nas prateleiras da História, para serem visitados e admirados como as velhas e magnificas catedrais góticas. Serão para sempre o hino da fé dos nossos avós.
E qual será o caminho, o seu “hino”, para as gentes de hoje? Vai consistir apenas em mudar o feitio das igrejas, os cânticos e as vestes sacerdotais? Vai ser a permissão do casamento dos padres e a ordenação de sacerdotisas? Mas isso não seria mais que a reedição do passado, enchendo, efectivamente, odres velhos com o vinho novo que é a pujança da jovem humanidade. Está-se a perder o vinho e os odres.
O odre velho é a Igreja nos seus rituais, nas suas vestes, nos seus «paços episcopais», nos seus conceitos de ética e moral desadequados.
No que respeita à ética e à moral o panorama é confrangedor. E não estou a referir-me apenas ao apego a uma sexualidade animalizada, invocando uma «lei natural» que ignora a evolução de milhões de anos até ao «homem-espiritual» que hoje somos. O apego “visceral” a essa pretensa «lei natural» é a fixação na ideia de que as pernas só servem para perseguir a presa, o alimento para ser combustível de um corpo, a palavra o simples substituto do primitivo grunhido para chamar ou avisar de perigos. Esquece-se, displicentemente, que o homem começou a transformou em arte a sua própria vida. E continua o percurso, criando um ser cada vez mais espiritual. Sem espiritismos tolos à mistura, expressão de filosofias ancestrais baseadas num conhecimento incipiente do homem e seu universo.

Até quando vamos continuar a levar ao engano as crianças que ainda vão à «missa», ensinando-as, em tão tenra idade, a linguagem da duplicidade? Estou a lembrar-me dos sermões e das homilias…

-Queridos irmãos e fiéis piedosos...

Era assim que o sr Prior e pregador, de Carvoeiro de Viana do Castelo, mesmo aqui ao lado de Balugães, abria sermões e homilias.
Todos sabemos que só dentro das paredes da igreja éramos irmãos. Fora de portas deste simulacro de paraíso fraterno, éramos ricos ou pobres, lavradores ou "jornaleiros", empregadores ou empregados, feios ou bonitos, doentes ou saudáveis. E, sobretudo, «cada um por si e Deus por todos».
Na nossa cabecinha de meninos começava a germinar a ideia de uma vida dupla ou de um ensinamento enganador, para não dizer mentiroso. Como se nos estivessem a ensinar a mentir.
Lembro-me que tinha um amigo de infância «pobre de pedir» a quem matei a fome algumas vezes quando ele chegava ao fim do dia sem ter comido nadinha. Ele era a prova viva de que o sr prior ou sr abade andavam a brincar às fraternidades, dentro da igreja, ao domingo e durante a homilia. A verdade, nua e crua, é que a minha sociedade de Balugães e todas as outras, se estruturaram à margem do cristianismo do amor.
Na micro sociedade que era a minha família de nove irmãos, mais um pai e uma mãe, todos comiam do que havia. Todos vestiam e calçavam de acordo com o orçamento da pequena comunidade familiar.
Esta sim, verdadeira, que a outra era uma “mentira” do senhor prior, na homilia, ao domingo.
E eu pensava que se fosse padre ia ser diferente. E queria muito ser padre. A «família cristã» tinha que ser para valer. Sonho de criança e não só, porque eu tive a percepção de que algo ia muito mal. Percebi que o catecismo ensinava o que o senhor abade não pregava. Nem o abade nem o Arcebispo de Braga, imponente, distante e luxuoso na sua visita pastoral, ao som de cânticos aclamatórios e foguetes...
Apesar de tudo, silenciosamente, o fermento foi desenvolvendo a sua acção, levedando a massa, criando estruturas fraternas e até um catecismo novo, que nós chamamos carta dos direitos do homem.
Enquanto isso, os bispos lá continuam a entreter beatas, que já têm o céu mais que ganho...
Hoje falei-te de um tempo em sonhávamos mudar a Igreja em que nascemos. Agora parece-me que já não se trata de mudar a Igreja, mas estar atento ao trabalho silencioso do fermento, poderoso fermento do amor anunciado no cristianismo. Não é por acaso, como alguém dizia, que as democracias floresceram no ocidente cristianizado.
Imperfeitas como tudo o que está em crescimento.
Levar a democracia até às últimas consequências é realizar a colheita como deve ser e encubar o vinho novo em odres novos. Guardemos como preciosas relíquias os «velhos odres», cheios durante milénios, da fé dos nossos antepassados.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Amar Não é Uma Decisão...

Foi-me reencaminhado por um amigo o texto de um padre acerca do amor, sob o título «Amar é Uma Decisão, Não Um Sentimento». O meu amigo encantou-se com o texto e revela todo o seu entusiasmo ao comentar que «é difícil ler uma coisa mais bonita! Este padre, tem de ser alguém muito especial!»

Até pode ser lindo, e no entanto...
Eu penso que o amor não é uma decisão. E apetece dizer que aquele texto só podia ter sido mesmo escrito por um padre.
O padre é um homem só. Pensa que pode partilhar a alma sem partilhar o corpo, porque lhe ensinaram ou porque pensa que o homem não «é» corpo. Mas sem corpo ninguém dá pela nossa presença. Também ninguém sentirá a nossa ausência. Considerando que o amor é uma simples decisão e a decisão é da alma, para que serviria o corpo?
Da alma a decisão, do corpo o sentimento.
Bate tudo certo para definir o amor de um "padre". A sua «vocação» de padre também foi uma decisão, não um sentimento.
A lógica continua.
Certamente por lapso, alguém lhe falou que «vocação» é chamamento. Mas não pode ser assim com este padre que diz que o amor é decisão.A decisão é um acto solitário e "chamamento" implica outra pessoa, outra presença...
Amor é presença! De mim perante ti e de ti perante mim, numa descoberta emocionante pelo olhar, pelo toque suave das carícias ou pela força do abraço; pelo calor do corpo e pelo perfume dos cabelos; pela beleza do rosto e pela leveza dos passos. O amor é a felicidade de ter a presença de alguém e ser presença para esse alguém e por isso amar nunca tem o sentido apenas de «dar» ou «disponibilizar», como quem cuida de alguém, como quem dá uma esmola, como quem cumpre um obrigação...por uma decisão que se tomou.
Se dissermos que amar é «dar-se», está bem melhor. Mas isto implica o ser humano integral (corpo-alma). Não vale dar uma esmola e seguir o seu caminho, consciente do dever cumprido.
Cuidar do nosso semelhante é um dever de solidariedade. Amar é muito mais do que isso. É a loucura de Francisco de Assis a beijar nos lábios o leproso na beira do caminho.
Ninguém o vai imitar numa loucura dessas mas, quem quiser definir o amor, grave na memória, para sempre, esse quadro de loucura. Francisco podia limitar-se a cuidar das feridas horrendas, matar-lhe a fome e a sede, vesti-lo e abrigá-lo, mas o amor de que eu estou a falar teve que deixar-lhe nos lábios miseráveis toda a força da sua presença. Desse-lhe, Francisco, o alimento e o agasalho e o leproso ficaria agradecido, rezando a Deus para que o compensasse pela boa acção.

Momentaneamente de estômago cheio e a alma permanentemente vazia e solitária.

Não podemos beijar-nos e abraçar-nos todos e em todo o tempo, realizando a presença, mas podemos fazer o exercício do amor com quem escolhemos para partilhar o lar e o leito.
Então, sim, cada gesto nosso para com todos aqueles que encontramos no caminho da vida vai carregado da «presença» que, em casa, aprendemos a "ser".
Que grande equivoco pensar que amar é como oferecer um diamante que se tenha guardado no cofre, mesmo que se chame a esse cofre, coração!
Eu quero a tua presença e tu a minha, porque não fomos feitos para a solidão.
«Onde dois ou três se reunirem em meu nome, eu estarei no meio deles».
Claramente não chega "Pai" no Céu e "eu" na Terra. Pelo menos Três no Céu e, pelo menos, dois ou três, na Terra...
Entenda-se para sempre: a mensagem do cristianismo não é o «evangelho da esmola» mas da doação mútua, de um ser humano que é tanto corpo como alma.
Podemos decidir procurar o «outro», mas nunca podemos decidir amá-lo. Imagine-se que o "outro" não está para aí virado! E sem o "outro" não se pode fazer a festa do amor. Nem no Céu, nem na Terra.
Temos de procurar o nosso amor, que será o caminho seguro para te encontrar a "ti" e a "ele", na expectativa de um dia podermos, realmente, cantar em coro: nós!
Ninguém se engane pensando que matando a "fome" do corpo sacia a fome mais dolorosa de uma pessoa solitária, porque estamos condenados ao amor.
Que perfeita perdição!