quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Criação, a Consciência e o Tempo

Carta a um amigo

É difícil comentar um «quadro» tão esquemático de um pensamento ou realidade como aquele que me enviaste. Mas há um item que me chamou especialmente à atenção:

«Não há criação-Evolução-Novas vidas».

Vou-me habituando a refrear a língua para estas afirmações muito certinhas, fechadas e definitivas. Afinal, estamos a meio de uma caminhada que mais parece uma aventura, em que vamos deparando com novas surpresas ao virar da curva. E a grande e última das surpresas que começa a ganhar contornos nítidos é que, depois de um «processo evolutivo» resultante de automatismos físicos, biológicos e psíquicos, estamos a assistir à emergência de um «processo criativo». Neste claro movimento de transição entre os dois processos da nossa história os automatismos referidos não desaparecem, mas claramente começam a ser suplantados pela capacidade criativa do ser humano. Apetece dizer que automaticamente chegamos à criatividade, mercê de um poderoso meio posto à nossa disposição, ao fim de uns biliões de anos de automatismos: o cérebro. Ele próprio, o cérebro, uma fabulosa rede de automatismos, dispostos para criar a mente consciente, que se apresenta como a consciência do próprio universo e se identifica num espaço e num tempo sem limites, contemplando, atordoada, a «seta do tempo» que nos deixa baralhados com a noção de um passado onde já estivemos e de um futuro (seja ele qual for) onde vamos estar. Ontem e amanhã. Hoje, apenas para olhar as duas faces do tempo.
E porque nos confunde tanto a «seta do tempo»? Porque desde o despertar da consciência humana (um dia talvez se saiba exactamente há quantos anos) ficamos com a clara noção de que viemos de algum lado (ou estado) e vamos para algum outro sítio (ou estado). E, entre esses dois sítios (ou estados) do passado e do futuro, abrimos os olhos do pensamento consciente e "demo-nos conta" da situação paradoxal: venho de um passado onde não me recordo de alguma vez lá ter estado e vou para o um futuro que ainda nem sequer existe.
E não vale dizer que isto acontece apenas ao nível da «sensação» ou nível "psicológico". Porque o homem quando sente e quando pensa não o faz abstraindo de cada um dos átomos de que é feito e, muito menos, independentemente da sua organização criadora. Ora, são precisamente estes átomos, organizados para nos criar, o cordão umbilical que nos liga ao passado que fomos e ao futuro que seremos.
Eu sei que isto não ajuda nada a recompormo-nos da pancada que levamos ao acordar para a "consciência da situação" mas, pelo menos, obriga-nos a não perder o pé, levantar voo e viajar por mundos de fantasia.

Não há dúvidas que à economia de palavras que exibes no teu «quadro» eu respondi com um desperdício das mesmas, incompatível com os tempos de carestia que vivemos.
Um abraço
Mário