sábado, 19 de fevereiro de 2011

A consciencia do Esterco

Retomo o comentário do Luis ao post anterior e cito:

"É por tudo isto que "eu" - onde começa e acaba o eu? - não estou separado intrinsecamente de um determinado monte de esterco - onde começa e acaba o monte de esterco? Excepto, claro, quando por razões pragmáticas tiver de me desviar de um monte de esterco, para não o pisar, e "tu" prontamente registarás com o olhar esses dois padrões, um a evitar o outro (e, espero eu, a conseguir)".

Penso, Luis, que não vou conseguir evitar pisar o esterco, e acabar mesmo por chafurdar na merda. Numa tentativa para transcender a insólita situação, avanço uma afirmação pomposa: pensar-me como sendo eu a "consciência-do-esterco".
Mas a verdade é que vou ficar atrapalhadissimo para explicar o "estatuto ontológico" desse "eu", parecendo-me, à partida, que a minha consistencia é bem mais precária que o monte de esterco donde emergi! Ocorre-me a comparação com a lampada acesa. Um simples sopro extingue a chama brilhante da candeia e para desfazer a lanterna em atomos seria o cabo dos trabalhos...Mas sobram os átomos!
Apesar da fragilidade impressionante do "eu consciencia", este meu surpreendente estatuto é um facto incontornável, mesmo que "eu" chegue à conclusão de que tudo o que vejo e penso é um engano ou uma ilusão. Porque, ainda aí, serei a consciencia de enganos e ilusões, mas consciencia.
Convenhamos que, vistas as coisas desta forma, pouco importa, para o caso, saber onde começa e acaba esse "eu". O que não pode ser feito, em caso algum, é identificar-me com um monte de esterco, pelo menos enquanto estiver na possa das minhas faculdades humanas. E não fui "eu" que pedi a consciencia do que sou ou julgo ser; ou do que não sou e penso não ser. Sou uma realidade que sabe que "está aqui" e se avalia tão infinitamente frágil e fugaz, quão teimosamente real.
Coisa bem mais intrincada que o tempo...Os homens da ciência assinalam que este, sim, é um verdadeiro mistério. Peter Atkins, que ando a ler, confrontado com ele, afirma: "Restam apenas dois problemas realmente profundos para a ciencia resolver. Um é a origem do universo, o outro a natureza da consciencia, a propriedade mais intrigante da matéria". E conclui como outros ilustres académicos: "Penso que só se alcançará um entendimento da consciencia quando a conseguirmos emular" (In O Dedo de Galileu). Muito avisadamente, e isto mostra bem a delicadeza do assunto, Peter Atkins acrescenta, depois, que mesmo que o homem consiga construir a mente consciente, "nunca estaremos completamente seguros de que a consciencia artificial é o mesmo que a consciencia natural, sob todos os aspectos, ou de que criamos simplesmente algo que não podemos compreender".
É fácil entender esta reserva de Atkins, se pensarmos que já conseguimos reproduzir muitas coisas da natureza, apesar de continuarmos a desconhecer a verdade profunda do tecido do cosmos e as leis que o sustentam.
Algo do género como construir uma casa com "pre-fabricados". Qual a natureza destes?

Tudo isto é simplesmente assombroso e sinto uma certa emoção tranquila por ter chegado a esta sábia ignorancia. Que sentiria Gautama no meu lugar? E, sobretudo, que faria? Por mero palpite eu disse que não pensaria tornar-se naquilo que já era: " eu consciente". Daquilo que sabemos e daquilo que não sabemos.
É verdadeiramente espantoso como a coisa mais real de todas, o "eu consciente", parec ser, também, a que menos consistencia ontológica possui.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Hoje, Buda Não Seria Budista

Disse isto mesmo ao Luis, num comentário ao post sobre Carl Sagan. Também poderia dizer que Jesus Cristo não seria cristão.
O Limabar fez notar que nós estamos dependentes dos "ensinamentos ancestrais": "Não obstante os progressos fenomenais da ciência e da técnica, o homem moderno, continua a ser aluno dos “mestres” da “pré-história”, no que concerne as ciências humanas.
Não é estranho?".
É estranho, sim, meu caro Lima, e tem sido causa do desencontro patente entre religião e ciência. A ciência desenvolve-se assentando nas suas realizações anteriores, ora rectificando, ora avançando com novas realizações. Em contraste flagrante, aquilo que designas por "ciências humanas" agita diante nós os livros sagrados que contêm as verdades infaliveis e imutáveis, pretendendo fundamentar nestas verdades a moral e a ética. E falam em "valores" e "principios". Melhor dizendo, na falta deles, neste mundo degenerado...
Eu digo que Buda não seria, hoje, budista, do mesmo modo que não vi Picasso fazer a pintura de Miguel Angelo, Rafael ou Leonardo da Vinci. Nem Saramago se exprimiu como Camões. E não é apenas uma questão de "forma". Isto acontece porque não possuimos uma "alma imutável". Tudo evolui na humanidade que somos e não apenas numa das suas "partes". Porque não há "duas substancias". O nosso pensamento evolui com o tempo e no espaço.
Quando Buda toma consciencia da sua condição humana não transcende o espaço e o tempo em que vive, porque a sua consciencia será sempre a "consciencia de" (desta realidade aqui e agora) e não uma visão pura ou absoluta da realidade, como se pudesse alargar a sua visão a quatro biliões de história passada ou à perspectiva de outros tantos biliões futuros. Mas hoje, pelo mesmo processo de reflexão e em face dos conhecimentos actuais, fá-lo-ia e consciente de que os horizontes ainda não estão fechados. Tal pensamento determinaria um discruso diferente e também uma ética e uma moral distintas. É apenas um exemplo.
Volto a dizer: é o sentimento de reverencia e justissima admiração pelo pensamento e pelos sentimentos dos nossos "ancestrais" que continua a "produzir" budistas e cristãos entre gente "culta". Para muitos outros é a simples ignorancia.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Farsantes

(Publiquei no blog aaacarmelitas, para defender a honra das "virgens ofendidas" por um anónimo que teve a ousadia de nos apelidar de "saco de gatos com uma rata pelo meio". Alguém entendeu que o anonimo se referia à única comentarista feminina...


O farsante
Desata
O nó da gravata
Enforca com ela
A impiedade que grassa
Como a febre amarela
Entre a gente da praça
O farsante aprendeu
Ao entrar no liceu
A fazer direitinho
O nó da gravata
E rata…
Nem vê-la
Muito menos
Comê-la
Que nojo!
Traz a peste no bojo
O pecado
O diabo
Maldição de Eva e Adão
O farsante não viu
Solitário rapazinho
Que não queria
Não podia
Ter gatas e ratas
E foi tocando o bichinho
Um recurso à mão
Para salvar na peleja
A vocação
Se há ratas pra alguém
Só para os filhos da mãe
Aqui
Sem palavras obscenas
Passarinhas
Apenas
Asseadas
Lavadinhas
Perfumadas
Guardadas em redoma
Não há gato que as coma