segunda-feira, 21 de junho de 2010

O Mistério Aqui Tão Perto

Para mim, o mistério dos mistérios é o papel de «observadores» que desempenhamos na incrível sinfonia da existência. Estou convencido de que, se queremos pegar no fio desta intrincada meada que somos neste nosso universo, temos de centrar o nosso pensamento na condição única a que chegamos, que é a auto consciência.
Nós somos o universo a olhar para si mesmo. Perguntamo-nos: «quem és tu?». E atónitos perante o universo que nos envolve, indagamos: «O que é isto?».
Confundidos, caímos na tentação de pensar que somos «dois em um», como se aquele que pergunta não fosse o mesmo que responde, como se estivéssemos em presença de duas entidades autónomas e até conflituantes.
Ousava dizer que a filosofia e a física só entrarão, definitivamente, no caminho certo, quando aceitarem o principio da unidade intrínseca do homem e vingue a ideia de que nós somos o despertar da consciência do universo.
E será que poderemos reproduzir este "milagre" em laboratório? Há cientistas a dizer que só compreenderemos o mistério da auto consciência quando a conseguirmos reproduzir. Se isso acontecer será muito mais do que ter descoberto o elixir da juventude. Reproduzindo a consciência humana e compreendendo-a, estaremos aptos a prolongar por tempo indeterminado a nossa própria consciência. Será um principio da imortalidade do homem, porque o que nos falta mesmo é um suporte «material» para as nossas memórias, de modo a poder revisita-las sempre que quisermos e continuar a reinventar a vida a partir delas. O que temos, por enquanto...

É muito lindo falar, genérica e pomposamente, em nós sermos a consciência do universo. O pior é quando nos damos conta de que esta «consciência do universo» só existe na forma «individualizada». A dita «consciência do universo» na sua forma universalizada não é mais que um conceito traduzido num desejo e acarinhado num sonho! Este desejo e este sonho são intrinsecamente reais mas o conceito de «consciência do universo» não é mais que a expressão do desejo e do sonho e como tal não é, como gosta de dizer o Luís, «intrinsecamente» real. E o Luís está coberto de razão.
E vejam, então, como as coisas começam a ficar feias e negras! Se a «consciência do universo» só existe porque eu e tu somos essa consciência, o que será feito dessa coisa linda se desapareceram da face da Terra ou da vastidão do Universo todas as formas individualizadas de consciência?! Eu, tu, ele... nós todos os conscientes! Vão-se os magníficos "mapas mentais" dentro do caixão. A não ser que os tenhamos gravado na "pedra", para serem lidos enquanto houver alguém para os ler.
É caso para pensar e pasmar: cada um de nós carrega em si a mais espantosa realidade do universo «observado»: a auto-consciência. E o que nos confunde completamente é a certeza da fragilidade e precaridade do vaso de argila em que transportamos tão precioso tesouro.
A metafísica do sonho ou da fé dos homens é a recusa em aceitar esta tremenda realidade.
Pelo que me diz o Luís, o budismo aceita essa fatalidade e prepara o nosso espírito para acolhê-la lúcida e conformadamente, porque o seu «sonho»o» não vai além deste horizonte. Nem deseja ir, nem aconselha ninguém a ir, porque encontrará apenas sofrimento numa demanda que considera inútil.
Do mesmo modo, o designado «materialismo ateu» se limita à «física», sem a metafísica -do sonho ou da fé-e proclama o absurdo de tudo isto. O materialismo ateu seria, então, uma espécie de budismo que perdeu a paciência e vive zangado com a vida. Qualquer bom médico lhe receitaria um estágio prolongado num mosteiro de monges budistas. Garantidamente, regressará de lá sem fé e sem sonhos. Terá desistido de mudar o mundo em três dias ou em três milénios e morrerá tão tranquilo como um canário na gaiola da sua vida.
Eu sou um insensato, preferindo sonhar durante o tempo todo da minha consciência. É uma doença que parece não ter cura. Nasci com os genes do cristianismo que fizeram de mim um sonhador. Sinto-me bem assim e penso que do amor me vem a paz que o budista encontra no "esquecimento de si". Ele diz no «desapego do «eu».
Eu também me «desapeguei» de um «eu» inchado de conceitos e preconceitos, feitos carne nos meus genes ou bebidos na cultura da minha juventude cristã. Desprendi-me dos dogmas todos mas retive do cristianismo a mensagem sublime do amor. Porque experiencio o amor em cada dia da minha vida é que eu alimento o sonho insensato da metafísica inconformada. Balançado entre entre o nascimento e a morte da minha consciência, agarro a mão do meu amor e deixo que a ilusão da imortalidade se apodere de mim. E vou dizer a derradeira tolice: enquanto dura, esta "imortalidade", é muito boa. E quando acaba, inexoravelmente, fica uma doce saudade, que talvez seja o que nos faz sonhar...

domingo, 20 de junho de 2010

O Budismo e o Sonho

Alonguei-me no comentário ao comentário do Luis sobre o post anterior e achei melhor fazer nova postagem. Aqui vai.


Curiosamente, a imagem que eu tenho de um «buda» é de uma figura masculina anafada, sentada sobre os calcanhares, meditabunda, ensimesmada, distante e inerte, parada mesmo, alheada do espaço que ocupa e do tempo que passa.
Mas nunca imaginei o «buda» um sonhador.
Porque do sonho de um homem segue-se a aventura de uma vida, com a sua natural carga de realizações, de alegrias, decepções e sofrimentos. E mais sonhos, e novos sonhos. Sonhamos descer ao fundo mar e mergulhar por entre galáxias, à velocidade da luz; erguer pontes, escavar túneis, construir torres de chegar ao céu; dissecar os corpos, as células, o próprio genoma; já partimos também os "indivisiveis" átomos e agora perseguimos o «santo graal» da «particula de Deus», sonhando espreitar para lá desse profundissimo horizonte...
E, apesar de tudo, conservando a lucidez de de quem sabe que escavando até à raíz do nosso ser, nunca perdemos a visão de conjunto que dá sentido ao que somos e fazemos. É como empreender uma caminhada, em que cada passo ganha sentido tanto pela história do caminho percorrido, como pelo sonho do caminho a percorrer.
Por isso a Humanidade não desiste...
Consciência do passado vivido e do futuro sonhado, será este o «despertar do teu «buda», Luis?
Se é, como se explica que Ricard Matthieu tenha abandonado a «investigação cientifica» e se sente o «homem mais feliz do mundo» acompanhando a pregação itinerante de Dalai Lama, deixando para os dedicados milhões de investigadores a tarefa de viajar até ao coração da vida?
AH! Já sei! Tavez o «homem feliz» de «buda» seja apenas um espirito incarnado na matéria... Para quê perder tempo, nos laboratórios, a fossar na matéria que, no fim de contas, não tem nada a ver com o homem-espirito que somos e muito menos com a nossa felicidade?
É isso?
Acredito que o homem será cada vez mais um «ser espiritual», mas sê-lo-á através desta coisa que chamamos «matéria», que nós sonhamos transformar à medida dos sonhos que vamos sonhando. Porque se esta «matéria» nos fez o que já somos e conhecemos, que maiores segredos não terá para nós descobrirmos?
E, como sempre aconteceu desde que começamos a trabalhar a pedra, o conhecimento e a descoberta implicam a transformação da «matéria».
Do Mundo, quero eu dizer.
Porque será, Luis, que se agarrou a mim a ideia de que o budismo se fica pelo «conhecimento», pelo «despertar», agarrado, ele sim, à jangada (do pensamento) que o transporta?
Tivesse Alexander Fleming, depois da guerra, abandonado a medicina para se juntar a um Dalai Lama no Tibete e não sei quantos milhões de seres humanos teriam continuado a sucumbir às infecções que os seus antibióticos vieram debelar.
Concluo: despertar é essencial e nisso bendito seja o budismo. Mas despertar para quê, se ainda vemos apenas um pouquinho do caminho a percorrer? Por isso compreendo mal como se pode trocar a investigação pela meditação, quando as duas são essenciais e complementares. Parece-me que o problema, embora os budistas não o admitam claramente, é que o budismo assenta no dualismo "ontológico" espirito e matéria.