segunda-feira, 4 de abril de 2011

A Herança

A propósito da "herança" que vamos deixar para os filhos e netos, referida pelo Lima na caixa de comentários ao post anterior, preocupa-me particularmente um planeta degradado. Custa-me, aqui em Balugães, ver o "meu" rio Neiva quase um deserto de vida, onde em criança via grandes cardumes de "barbos", nos sítios de águas mais profundas. Os mesmos fertilizantes e desinfestantes que permitem boas colheitas, também matam a fauna e a flora dos rios ou poluem as águas das fontes.
A ciência proporciona um progresso tão atabalhoado quanto o dinheiro da UE (CEE )proporcionou um crescimento descontrolado da nossa economia.
Habituei-me a ver crescer estradas e auto-estradas, recuperações fabulosas de muitos "solares" e casas antigas, de centros históricos. As vilas e cidades ganharam uma cara nova, ressurgindo de paredes velhas e telhados rotos. Abriram-se valas para saneamento de imensas aldeias e a Tv por cabo ou por satélite chegou a todo o lado. As universidades debitam constantemente licenciados e doutores, a informatização acelerou nas empresas, primeiro; no Estado, finalmente.
Vamos deixar aos filhos um país que seria irreconhecível para os nossos pais e avós.
Foi tudo muito depressa? Foi demais? Estragamos o ambiente? Mimamos demasiado os filhos? Endividamo-nos?
Fizemos tudo isso, com certeza. E não fomos capazes de fazer melhor.
Fiz disparates na minha vida, mas não me culpo por isso, porque tenho consciência que fiz como podia e como sabia. Se faria tudo do mesmo jeito? Nem pensar. Só que não se vive duas vezes e a pedra, uma vez arremessada, segue, inevitavelmente, a sua trajectória sem retorno. Resta-nos o lenitivo de saber que podemos fazer diferente, porque agora sabemos e podemos o que antes não soubemos e nem pudemos.

O Conhecimento da Polis (4)

Uma década perdida, disse ele (o presidente Cavaco)...


Investigação científica portuguesa triplica em 9 anos
A página SCImago tem uma enorme base de dados sobre a investigação científica em todo o mundo e todas as áreas, que descobri através do Público.
Nela podemos ver o número de artigos científicos publicados por instituições portuguesas. Este número triplica dos 3655 em 1999 para os 10837 em 2008!
Obviamente que não foi só em Portugal que houve um aumento de produção científica, mas Portugal cresceu mais rápido. De 2007 para 2008 cresce 19%, enquanto a Europa Ocidental cresce apenas 3%, e o mundo 2%. Enquanto em 1996 Portugal era responsável por apenas de 0,76% da ciência na Europa, em 2008 este número já foi de 2%! Comparando com o mundo inteiro, a mesma conclusão: Portugal duplicou a sua importância a nível mundial em 10 anos.

E agora vozes que não chegaram a Belém do Presidente Cavaco...

Nuno Ferrand de Almeida Investigador Universidade do Porto na área da biodiversidade

Em Portugal, temos a sensação que não sabemos o que nos pode acontecer no dia de amanhã. Há um discurso dominante profundamente derrotista...
Tremendo. Nas elites portuguesas instalou-se um pessimismo tremendo...

Como é que um cientista olha para tudo isto?
Sou optimista por natureza. Ainda sou relativamente novo, mas sei exactamente o que era Portugal há 25 anos, quando entrei para a Universidade do Porto, e o que se fez desde aí. Tinha 11 anos no 25 de Abril, mas sei como era Portugal antes disso. Estávamos fora do mundo.
Assistir em menos de 25 anos à transformação que se viveu em Portugal é um privilégio absolutamente extraordinário. Há 20 anos, eu nunca imaginaria que poderia ter um centro que faz investigação no mundo inteiro e que não fica nada atrás dos melhores centros do mundo e estou a falar de Berkeley, Cambridge ou Oxford. E ainda menos imaginaria - falo pela minha experiência, mas isso é visível em muitos outros centros de investigação em Portugal - que seríamos capazes de atrair tantos estrangeiros. Quase 50 por cento dos 1200 investigadores contratados nos últimos dois anos pelo Programa Ciência são estrangeiros e isto diz alguma coisa.

Nem nos apercebemos disso.
Mas isso é fundamental. O caminho tem de passar pela aposta na ciência e isso tem sido feito de uma forma notável. Nos últimos dez, 15 anos conseguimos chegar ao topo dos países que mais têm investido na ciência...

Mas partimos de uma posição muito recuada.
É verdade, não havia nada, ou havia pouco. Mas quando se fala hoje em 5 ou 6 mil artigos científicos publicados e reconhecidos internacionalmente [por ano], isso representa um avanço extraordinário. É quase um milagre. O número de doutorados... E disso as pessoas falam pouco e é preciso que falem muito mais. É preciso falar muito mais das pessoas que trazem conhecimento para cá e que produzem conhecimento cá.
É por isso que me choca muito o pessimismo constante das elites portuguesas. E isso tem reflexo sobre as pessoas. Esse pessimismo cola-se-nos à pele.

Como é que o explica? Mede-se tudo pelo défice?
Em parte é isso. Não sei. Mas não sei porque nunca se olha para o outro país que existe. Existem dois países. Todos os países têm dois países, mesmo que em Portugal essa diferença seja mais acentuada. Mas há 25 anos não tínhamos dois, tínhamos um, que era mau. Hoje temos um país que se distingue nas ciências, nas artes, na literatura, no desporto.

Mas há aquela sensação de que, quando estamos quase a conseguir o nosso objectivo de sermos "europeus", qualquer coisa nos impede. Historicamente, parece que nunca conseguimos percorrer a última milha. Acha que é isso que desmoraliza as pessoas?
Percebo isso. Mas a mim não me desanima. E digo-lhe já porquê: nunca achei que isso fosse possível numa geração. É preciso mais tempo. Estamos a falar de países como a Inglaterra, a França, a Alemanha, que têm uma tradição de mais de 100 anos de investigação e de produção de conhecimento, de reflexão, que nós não tínhamos. Vivíamos completamente marginalizados dessa Europa. Há 30 anos não havia um paper.
Penso que as nossas elites estão um bocadinho gastas na maneira como olham para o lado antigo do que foi Portugal, quando temos ao lado um país a desenvolver-se muitíssimo e a mostrar que é perfeitamente capaz de ombrear com os mais desenvolvidos. Claro que ainda temos o resto, que ainda pesa. E que alimenta essa espécie de frustração que se transmite nesse discurso e que é má, porque leva facilmente as pessoas a desanimarem, a acomodarem-se... Penso que é a nossa obrigação, e também da comunicação social, dar conta desse outro país. Não quero com isso desculpar algumas lideranças...

Justamente, temos hoje muito mais gente educada, universidades muito melhores, uma massa crítica que deveria ser mais exigente. Como é que se explica, então, a fragilidade das lideranças políticas?
Há aí uma contradição para a qual não tenho resposta. Há uma espécie de alheamento em relação ao serviço público e há uma espécie de dissociação progressiva em relação aos partidos e às pessoas que nos governam, que me assusta um pouco... Não sei responder a essa pergunta, só sei que ela faz parte das interrogações que muitos de nós colocamos.

Mas não há também uma responsabilidade das pessoas? Talvez que o país mereça uma coisa melhor e não se esteja a esforçar-se o suficiente para a ter?
Talvez. São contradições e desequilíbrios que julgo que resultam de transformações muito aceleradas do tecido social português. Este pode ser um momento em que isso seja muito visível.