segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Budismo Sem Mim

"Não-Si no Budismo é a Não-Dualidade de Sujeito e Objecto, o que é muito explicitamente afirmado pelo Buda em versos tais como

"Na visão, há apenas visão.
Nem visualizador nem nada visto.
Na audição, há apenas, audição.
Nenhum ouvinte nem coisa ouvida." (Bahiya Sutta, Udana 1.10).

A Não-Dualidade no Budismo não constitui uma fusão com um Brama supremo, mas a realização de que a dualidade de um si/sujeito/agente/observador/fazedor em relação com o objecto/mundo é uma ilusão."


Repesquei tudo isto de um dos teus comentários ao post anterior. Penso, Luis, que é altura de confrontar a negação budista da dualidde com a atitude positiva da afirmação da unidade do ser humano. Esta última é a proposta tanto da "filosofia ocidental" como da neurociência.
A "não dualidade" do budismo aqui referida não tem nada a ver com a unidade intrínseca do homem, sustentada, por exemplo, pela neurociência de Damásio em oposição à dualidade da "dupla substancia" de Descartes. Adiante direi porquê.
Dos versos citados e do comentário que se lhe segue poderia deduzir-se que existe uma espécie de "entidade" que ilusoriamnente interage com o universo. Mas pelo discurso percebe-se que é ilusório o sujeito e ilusório o objecto. Na verdade, só existe a "universalidade" e daí comentar-se que não há fusão alguma com um "Brama Supremo". Não se pode "fundir" aquilo que nunca passou de uma ilusão e portanto nunca esteve fundido ou "desligado". Total ausência de acção e movimento de "fora para dentro" ou o inverso.
Mas aqui começam as interrogações todas. Se não há "fusão", porque a não-dualidade é realíssima, como justificar toda a filosofia do "desapego"! Esta pressupõe que escapou "algo" para o exterior do "universo fundido" ou da realidade como um TODO indissociável e é necessário que a ascese o faça regressar à "unidade".
Faço a pergunta de outro jeito: porque e como se criou a ilusão da quebra de Unidade? A ilusão a criar a ilusão? Ou a doutrina de um "pecado original" no budismo? Impossível, porque não há sujeito que viola nem coisa violada. Apenas violação.
Violação da Unidade? Só pode, para justificar a procura do "caminho do meio".
Desisto.

Do outro lado do pensamento temos a unidade do ser humano. É uma "unidade" que se define não em ralação a uma realidade universal mas ao próprio individuo humano. "Eu e o meu corpo somos um só". Esta é que é a "não-dualidade" da neurociência e da filosofia que a acompanha.
Já em relação à realidade universal a dualidade é assumida na forma de alteridade: "eu" e o "universo". É uma indidualização assumida e a tarefa do homem é construir a individualidade, o "eu", a "identidade", a "pessoa". Quanto menos "fundido" com uma universalidade difusa e impessoal, maior grandeza e nobreza humana. Neste processo de individualização a consciência é o momento mais alto do "distanciamento". Tão "alto" que se pensou ser uma realidade totalmente nova dentro da realidade universal. Aceita-se que seja um fenómeno novo mas que evoluiu como um filho desde o ventre materno.
Está por explicar este fenómeno e permanece Tao intrigante quanto a Realidade-Mãe donde procede.
Talvez porque esta alteridade é incompreensivel, o budismo a considera uma ilusão.
E tenho maneira de provar o contrário?
Não me parece, apesar dos palpites que vou deixando à consideração do meu amigo budista Luís.
Como é sempre assinalado nesta altura do discurso da razão, somos atropelados no nosso optimismo pela fragilidade mortal de um "eu" tão laboriosamente construído.
Se não fosse a emoção da construção da história individual e colectiva, íamos ficar a remoer a ideia de que viemos do nada para lá voltar "quando deus quer".
Se pararmos de remoer aquela ideia pessimista, a História que construimos deixa-nos a sonhar que há mais vida para além da vida.