sábado, 12 de fevereiro de 2011

Car Sagan e a Vida Depois da Morte

Parece-me uma boa altura para trazer à Laje Negra uma das páginas mais comoventes da última obra escrita de Carl Sagan (1995) intitulada "Um Mundo Infestado De Demónios".
Depois de ter desmistificado de forma contundente as aldrabices de espíritos desincarnados, dos contactos com os mortos ou com os extra terrestres, Carl Sagan exprime o desejo íntimo, "infantil", como o classifica, de conversar com os seus entes queridos falecidos. O melhor é passar-lhe a palavra:
"Os meu pais morreram há anos. Eu era-lhes muito chegado.Ainda sinto terrivelmente a sua falta e sei que sempre a hei-de sentir. Anseio por acreditar que a sua essência, as suas personalidades, o que eu tanto amava neles ainda existem -de facto e na realidade- algures. Não pediria muito, só cinco ou dez minutos por ano, por exemplo, para lhes falar dos netos, para os pôr ao corrente das noticias mais recentes, para lhes recordar que os amo. Há uma parte em mim -por muito infantil que isto possa parecer- que se interroga como estarão."Vai tudo bem?", apetece-me perguntar. As últimas palavras que dei comigo a dizer ao meu pai, no momento da sua morte, foram "cuida de ti".
"Por vezes sonho que estou a falar com os meus pais e, de súbito,(...)sou invadido pela sensação intensa de que eles não morreram, de que foi tudo um erro tremendo. (...)Quando acordo, passo de novo por um processo de luto abreviado. Para falar com franqueza, há qualquer coisa dentro de mim pronta a acreditar na vida depois da morte, sem estar minimamente interessada em saber se existe alguma prova disso.
"Por esse motivo não rio da mulher que visita a campa do marido e que conversa com ele de vez em quando. (...)E se tenho problema com o estatuto ontológico daquele com quem ela está a falar, não há problema. Não é disso que se trata, mas de os seres humanos serem humanos".
"Mas isso não significa que eu esteja disposto a aceitar as pretensões de um médium, que afirma comunicar com os espíritos dos seres queridos que nos deixaram, quando estou consciente de que a sua prática tresanda a fraude".

Eu não saberia expressar melhor os meus próprios sentimentos a respeito desta matéria.
Acerca da "vida depois da morte" há muitos palpites e muitos destes palpites transformaram-se em crenças poderosamente arraigadas. Pois a mim parece-me infinitamente mais difícil ter um palpite certeiro nesta matéria do que acertar no euro milhões. É que, para este, quase todas as semanas há um ou mais palpites certeiros; já sobre a "vida depois da morte" está para nascer o primeiro apostador que "esfregue na cara" dos incréus, vitorioso, o bilhete premiado com a sua eternidade...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sentimentos!...

O meu ultimo comentário neste blog foi como um grito espontâneo de inconformismo, face à realidade da condição humana. Penso que já noutras ocasiões esse sentimento transcendeu nos meus propósitos. Que as contingências da vida provoquem preocupações, e por consequência inconformismo, é certamente inerente à própria vida. E cada um carrega a sua cruz! Não todos a mesma cruz , nem todos com a mesma dotação! A natureza só obedece às suas leis, e desconhece ética ou compaixão.

Esta manhã, ao remexer no fundo de gavetas onde conservo certas velharias, fiquei largos momentos absorvido, o olhar pregado ao manuscrito ferrugento e amachucado que encontrei atrás de um monte de papeis, bem lá no fundo, onde só vamos em caso de despejo. Recordações, ingenuidades de juventude! E, ao ler os versos que aqui transcrevo, um sentimento estranho me invadiu: o meu inconformismo não é da idade! Eu sempre fui assim!


Aniversário


Vinte anos! E agarrei-me a esta pedra bruta
Que é a vida insatisfeita e louca.
E esta esperança que de há muito é pouca
Vai-se acabando nos ardores da luta.


Agreste encosta, atalhos de labuta;
Caminhos de rochedos e de feras!
A vida, altiva, disse: -Porque esperas?
-Sobe, cobarde, ou morre nessa gruta.


Comecei a subir. Qual vagabundo,
Roto e esfaimado, olhei o monte informe!
E outra vez eu a vê-lo eu jamais torne
Se alguma vez quisera vir ao mundo.


Vinte anos! E agarrei-me a esta pedra bruta
Que encontrei a meio da montanha.
Parti-a toda... e a sua alma é estranha
Como esta voz que a minha alma escuta!


Era na foz do Douro. Corria o ano de 1964.