sexta-feira, 18 de março de 2011

XXI, o século do cérebro

Os especialistas da ciência médica sabem hoje curar, reparar ou substituir praticamente qualquer órgão do corpo humano, seja ele essencial como o coração, os rins, os pulmões, as artérias, etc. Este progresso da medicina, em contínua expansão, tem melhorado de uma forma extraordinária as condições de vida das populações a que ele tem acesso, hoje, praticamente, todo o mundo civilizado.

Há, no entanto, um sector, essencial por excelência na vida das pessoas, onde os esforços dos mais aguerridos especialistas não tem fornecido, até hoje, os frutos tão desejados e logicamente atendidos. Falo do cérebro, centro motor e de comando, que necessita um desempenho sem falhas para que os requisitos de uma vida normal possam ser satisfeitos. O cérebro é uma máquina complexa, uma bola de 1,2 kg de células e água, com atributos variados e funções extremamente imbricadas e de uma complexidade que continua a desafiar os mais ousados e sábios especialistas do sector. É o órgão capaz de nos fazer andar, falar, sonhar, criar; sentir penas e alegrias, atravessar, sobre um fio, o espaço entre dois imóveis... operações que nem o computador do tamanho de um prédio de cinquenta andares poderia realizar.

Até há bem pouco tempo, este tesouro da natureza humana, escondido na caixa craniana que o protege, era considerado inacessível, semelhante a um segredo, guardado em cofre forte, do qual ninguém conhece o código de abertura. Hoje, com o aparecimento de máquinas produzidas pela vanguarda da ciência paramédica, como os “scanner”, “IRM”, “PET-scans”, os cientistas da pesquisa sobre o cérebro têm à disposição um protótipo de chave capaz de dar início à descodificação parcial do seu funcionamento. Este movimento de abertura para novos conhecimentos, é portador de esperanças que ainda há bem pouco tempo seriam consideradas loucas.

Num dos pontos centrais da pesquisa actual neste domínio, está a chamada doença de Alzheimer. Esta doença, em progresso constante nos últimos anos, atinge milhares de pessoas, especialmente em períodos de vida menos activa, sem que a medicina tenha conseguido resultados significativos, tanto na prevenção como na cura. Dizem os especialistas, que o grande problema é a sua detecção demasiado tardia, quando os danos causados no cérebro pela morte de neurónios, em sectores vitais, são irreversíveis. O mecanismo que conduz a este resultado é conhecido, (a acumulação de placas de proteínas que matam os neurónios), mas não as suas causas. Os esforços actuais dos pesquisadores concentram-se na possibilidade de intervir antes da morte neural, de maneira a bloquear a doença, o que significaria, não uma cura, mas uma diminuição importante da evolução da doença, hoje completamente abandonada à sua progressão anárquica. A imagética, a biologia e os testes cognitivos, são ferramentas sobre as quais os especialistas fundam imensas esperanças e esperam um apoio precioso, para atingirem esse objectivo. Os resultados atendidos parecem débeis quando confrontados com a gravidade e amplitude dos prejuízos causados por esta doença. Mas a ciência avança, com optimismo e tenacidade; e, como noutros domínios, a persistência no esforço será um dia recompensada. Se não para nós, que apenas temos a esperança para consolação, talvez para os vindouros próximos, a medicina tenha encontrado soluções que satisfaçam as nossas aspirações legítimas.

Conseguir um dia “reparar” as anomalias de um cérebro doente, é, certamente um dos maiores desafios colocado aos cientistas do corpo humano, neste século vinte e um.


Inicialmente publicado em http://a.lima.b.online.fr/


quarta-feira, 16 de março de 2011

Nascemos ADN, Morremos História

No seguimento da conversa que vínhamos tendo, meu caro Lima, fiquei a pensar no percurso de uma vida real, do nascimento até à morte. Não me vou preocupar agora nem com a origem nem com o conteúdo do meu ADN ou meditar no que possa acontecer depois de "fechar os olhos". Sei que se o fizer ficarei sem resposta para as minhas perguntas. Já me conformei que hei-de morrer sem saber de onde viemos nem para onde vamos. E, também, o que realmente somos.
Mas posso contar a minha "história", feita da verdadeira aventura do meu ADN. Será sempre apenas uma parte da história, porque entro num comboio em andamento. De facto, o meu ADN já percorreu milhões de quilómetros e anos. Mas aquela que posso contar é a parte que verdadeiramente me interessa, porque é toda a minha vida. A "parte" que não conto ou não posso contar, "não sou eu". Porque « eu não sou » o ADN com que nasci.
O que a ciência nos vem ensinando é que a história final do ADN (individualizado) resulta das potencialidades iniciais do ADN e da interacção com o meio onde sobrevive. O ADN humano interage de maneira diferente do ADN do gato, mas também o meu ADN interage de maneira diferente do teu, porque nenhum é totalmente idêntico à partida, nem o “meio ambiente” onde sobrevivemos é o mesmo.
Acresce ainda, que o ADN dotado de um cérebro criativo pode alterar o “meio”, adaptando-o cada vez mais e melhor às suas necessidades de sobrevivência, criando até novas necessidades.
Por outro lado, a mobilidade do ADN inteligente permite-lhe alargar o seu “meio ambiente” e multiplicar incrivelmente os seus “contactos”; mas também ficar mais sujeito ao contacto com outras realidades.
O resultado final, a “minha história”, já está muito para além do ADN inicial. E pouco importa se isto ou aquilo aconteceu por acaso ou por decisão consciente. A verdade é que acabamos por ter consciência do momento da história que estamos a viver e a construir, sempre condicionados, é verdade, mas com múltiplas escolhas pela frente. Com a certeza, porém, que para a “minha história” só contarão as escolhas concretizadas.
Apetecia dizer que “eu sou” as escolhas que faço. Mesmo quando escolho não fazer nenhuma. Mesmo quando coagido a fazê-las. Neste último caso, sei bem que estou a agir sem escolha. E é quando me apercebo de um espaço de liberdade.
Espaço e sonho.