quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Fim da História

«Assim, as ideias impõem restrições subjectivas à realidade objectiva, restrições essas que, objectivamente, não são objectivas!!!» (Citando o Luís)

Na mesma frase, parece-me, dizes uma verdade e uma meia-verdade. Como se fosse o resumo da história do pensamento.
A filosofia pretende fazer coincidir o subjectivo (a minha ideia, abstracção, convenção) com a realidade objectiva. A coincidência perfeita seria a posse da VERDADE absoluta. A SABEDORIA. Bem avisados, os gregos antigos foram dizendo que isso era tarefa só ao alcance dos Deuses. Os humanos (filósofos) ficavam apenas com um cheirinho (de Sabedoria).
A guerra entre subjectividade e objectividade do conhecimento desenrola-se sobre o pano de fundo das nossas limitações, que eu chamo de filosófica ignorância.
No dia em que esta limitação for superada não haverá mais nada para investigar, não haverá mais inquietação, nem sonho, nem apelo à criatividade. Porque tudo será conhecido em definitivo e tudo estará criado ou feito, numa perfeição de «Fim da História», que também podemos chamar de «Fim do Mundo».
Estranhamente, a «iluminação» do budismo ou a «perfeição» do cristianismo, assemelham-se à paralisia absoluta da morte.
Em contraponto, o «sofrimento-movimento-mudança» parece ser a única realidade com futuro...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

As Sombras de Platão, as Abstracções de Aristóteles e as Convenções do Luis

E não será a nossa condição humana, olhando o mundo com olhos de ver, uma ilusão? (Citando o Luís)

Por mais voltas que se dê ao texto, no contexto da história da filosofia, ao longo dos últimos 2500 anos, é da mesma realidade que se trata quando falamos das «sombras», «abstracções» ou das “verdades convencionadas”.

Imagino-me numa viagem a Lisboa ou à Grande Lisboa e aí encontro e reconheço, entre dois milhões de pessoas, o meu filho Tiago. Imaginemos ainda que o encontro, reconheço e observo, mas não me manifesto. O Tiago continuará a ser apenas mais uma entre dois milhões de pessoas. A minha presença ali, naquele dia e naquela hora, apesar da novidade absoluta, que foi o reconhecimento do meu filho, em nada altera a realidade tal como a encontrei.
Claro que estou a simplificar, porque a minha presença ali altera um sem numero de coisas, desde o oxigénio da atmosfera que consumo, até à infeliz formiga que o meu sapato inconsciente esmaga.
De facto, de uma forma consciente, observando e reconhecendo o Tiago ou de uma forma inconsciente, respirando o oxigénio, eu estou a interagir com a realidade.
Posso optar por dar meia volta e regressar ao Minho ou ir ao encontro do meu Tiago e abraça-lo efusivamente. Como posso deixar tranquilamente a Grande Lisboa ou lançar fogo à «terra dos mouros».
Fica evidente que só interagindo com a realidade, de uma forma ou de outra, essa mesma realidade sai da «sombra» de Platão, da «abstracção» de Aristóteles ou da «verdade convencionada» do Luís.
Pela acção e pela interacção, quebra-se a magia pura da observação e expomo-nos ao choque que resulta do encontro com a realidade.
A emoção de abraçar o Tiago, o desastre do meu sapato sobre a formiga, a devastação levada pela minha mão incendiária à «terra dos mouros» não permitirá, jamais, a confusão entre observar, reconhecer e agir nem tão pouco insistir na ideia infundada de que o «mundo é uma ilusão».
O Tiago não deixará de estar presente na grande Lisboa, se de facto lá estiver, quer eu o encontre ou não, nem a formiga nem a «terra dos mouros». É tão verdadeiro que se eu não me deslocar lá não vou interferir com nada nem provocar alterações na realidade, como é verdadeiro que se eu fizer a viagem posso desencadear a emoção e a transformação do meio. Nem que seja, apenas, pelo simples consumo do oxigénio da atmosfera.
Não há trabalho especulativo consistente se for desligado, por um instante que seja, do conteúdo das «sombras», das «abstracções» ou das «convenções» do nosso Luís. Seja qual for esse «conteúdo». E aqui é que reside o mistério do universo com que nos deparamos. É que esse «conteúdo» confunde-nos pela sua grandeza e complexidade.
Mas que não seja essa grandeza e complexidade o motivo para desisti do «encontro» com a realidade, desanimando, rendidos, desiludidos ou simplesmente feridos no orgulho, para proclamar que tudo não passa de uma ilusão.
A formiga não vai ganhar nada ser ignorada e esmagada pelo meu sapato. E se o Tiago souber que estive em Lisboa e não lhe «passei cartão», não vai gostar nem um pouco.
E agora imaginem que, inadvertidamente, esmaguei a última das formigas do planeta Terra!
Àqueles que de uma forma tão ligeira confundem a realidade com o nosso encontro ou desencontro com ela, pensem no que acontece quando deixarmos de interagir com o oxigénio! Lá se vão as «sombras», as «abstracções» e todas as verdades convencionadas.

A Ilusão do Budismo

«Ao vivenciarem a realidade absoluta - onde não se aplicam as fronteiras convencionadas que definem os objectos, as coisas do mundo material (o único que existe, aliás) - não estarão para lá do sofrimento e, por fim, para lá até do budismo». (Citando o Luis)
R. Com certeza que sim, Luís. Estão, de facto, para lá do sofrimento e até do budismo.O problema é que estão, também, para lá da realidade.
Qualquer ser humano que conserve a sua consciência, distingue-se de um ser inconsciente e este, sim, está para lá do sofrimento, do budismo e de muito mais. E o ser humano, quanto mais consciente estiver desta sua condição, mais exposto está ao sofrimento, nem que seja sob a forma da simples inquietação, que pode não ser tão simples como isso, se vier a tornar-se na inquietação existencial última:
qual o sentido da minha existência?
Mas não será preciso chegar a tanto para deixar a descoberto a falácia da imperturbabilidade budista e consequente plena auto-satisfação. É que não vejo como um ser consciente da dádiva da vida, imediatamente referida aos seus progenitores, mas logo extensiva a toda a sociedade, pode ter garantida a superação do sofrimento próprio sem que o sofrimento alheio não perturbe pela raiz a sua auto- satisfação e coloque em causa a sua felicidade.
Numa palavra: como posso permanecer imperturbável perante o sofrimento alheio e pensar que conseguirei, isoladamente, o êxtase da felicidade?
O budismo há muito que se aproximou da certeza desta incompatibilidade e daí a sua dedicação à causa da paz universal. E neste «universal» está incluída a própria natureza «morta».
O que fascina no budismo é esta dupla maravilha: meditação profunda sobre a nossa realidade mais íntima, desvalorizando o que é superficial e efémero e a busca da paz, querendo abraçar o mundo na sua totalidade.
O que desilude no budismo é a fuga radical da realidade, que nos serve um mundo em contínua transformação, que genericamente podemos designar por «sofrimento», como que em «dores de parto», onde tudo está em altíssima convulsão desde o «Big Bang».

No mesmo instante em que, na paz merecida de uma meditação bem conduzida, cem mil monges atingem o êxtase sublime, um tsunami tão inesperado quanto devastador, mergulha a todos no silencio da morte.
Esta é que é a realidade a ter em conta!